Aconchego

Os meus bebés estão demasiado crescidos, mas ainda me pedem para ir deitá-los. Não se contentam com o aconchego dos lençóis e um beijinho. Tenho de me estender a seu lado, passear os dedos pelos seus cabelos, roçar a minha bochecha nas suas e despedir-me de cada um dos peluches que ainda lhes fazem companhia. Começo por um quarto, depois passo para o outro e, no corredor a caminho da sala, ainda tenho de responder a mais alguns “boa noite”. É um ritual sagrado, excepto nos dias em que a paciência se esvai mais cedo, após o décimo quarto pedido para lavarem os dentes, ou para desligarem a televisão, ou para não implicarem um com o outro.

Todas as noites, enquanto os embalo, embora já não me caibam no colo, peço à memória que guarde cada um daqueles minutos, porque sei que em breve, sem aviso nem alarde, deixarão de acontecer. Um dia, sem que eu dê por isso, irão para o quarto sozinhos depois do jantar, ansiosos por se soltarem do fio invisível que nos une, gritarão um “boa noite” enfadado e, com sorte, talvez se obriguem a dar-me um beijo fugidio. Um dia, sem que eu dê por isso, os seus quartos estarão vazios, o fio invisível cada vez mais esticado, por sei lá quantos quilómetros, e o corredor a caminho da sala invadido de silêncio.

E não interessa quantas noites tenha tido o privilégio de aconchegá-los; serão sempre de menos. Não interessa quantos beijos lhes tenha dado; serão sempre poucos. Não interessa quão presente tenha estado em cada um daqueles momentos; serão sempre memórias. Por mais que me agarre a elas, os meus bebés estarão demasiado crescidos e aquelas noites não voltarão.

Ser mãe é tê-los mais longe a cada dia e fingir que está tudo bem.

© Bernardo Carvalho in Coração de Mãe, com Isabel Minhós

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