
Começou o mundial. Levantam-se as vozes. Com dez anos de atraso.
Estamos todos indignados com as condições em que foram construídos os estádios, com mão de obra escrava, um pouco como acontece ali em Odemira e em outros tantos locais do nosso país, mas tudo bem, assobiemos para o lado. Estamos todos indignados (e bem!) com as violações dos direitos humanos, com a opressão das mulheres e a criminalização da homossexualidade, coisa que já acontecia quando a candidatura foi feita e quando se começou a perceber que era coisa para o Qatar ganhar.
Alguns chefes de estado recusam agora comparecer ao evento, outros são criticados por quererem lá estar, mas não me lembro de tanta polémica institucional quando o último Mundial se realizou na Rússia, cujas prisões são centros de tortura e os cemitérios se enchem de jornalistas e opositores do regime há vinte anos. Ou quando as olimpíadas tiveram lugar em Pequim.
Sempre que um evento desta dimensão e com esta visibilidade é realizado num país onde vigora uma ditadura, estamos a validar esse regime. E não me venham com histórias de que é uma forma de levar alguma abertura e aproximar os povos. Quem organiza estes eventos, não quer saber dos povos, nem da paz, nem do atenuar das diferenças. Só quer saber de dinheiro e de lavagem de imagem. E nós, europeus falidos, dizemos que sim a tudo o que nos garanta algum dinheiro neste mundo onde há várias décadas passámos a actores secundários.
O mesmo acontece no que diz respeito ao clima. Numa altura em que é imperativo ir para a rua exigir mudanças e compromissos concretos, a COP realizou-se noutro país pouco democrático, o Egipto, onde as manifestações foram completamente proibidas e muitos activistas do clima silenciados. Que alívio para os senhores da muita conversa e pouca acção. O resultado da cimeira é mais uma desilusão, mostrando neste campo também a pouca influência que a Europa tem, pois por mais compromissos que cumpra (e ainda bem que o faz), não será suficiente se os países que mais poluem não abandonarem o fóssil.
Isto para dizer que, seja na defesa dos direitos humanos, seja na defesa do nosso planeta, não vale de muito protestar quando o mal está feito. É hoje que temos de agir e indignarmo-nos. É sempre que vemos coisas estranhas a acontecer. É enquanto podemos falar. Tenho repetido esta frase muitas vezes, porque cada vez me faz mais sentido: o mal alimenta-se do silêncio. Ergamos, pois, a nossa voz.
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