
Quando era miúda, tive uma grande pancada pela Madonna. Eu ouvia os discos da Madonna, eu queria vestir-me como a Madonna (embora a minha mãe só o permitisse no Carnaval), eu tinha posters da Madonna na parede do quarto e, ao doze anos, quis cortar o cabelo curto como a Madonna, o que não correu nada bem. Claro que a coisa passou quando entrei na adolescência e troquei o Pop pelo Grunge. Ainda assim, posso afirmar que a Madonna me ensinou muito, não sobre música, mas sobre ser mulher.
Ela dominava os palcos e empurrava os homens para fora do topo das tabelas sem pedir licença. Ela era camaleónica e pouco convencional. Ela dizia o que queria e não tinha medo de exibir a sua sexualidade. Ela gritava-me aos ouvidos “don’t go for second best, baby!”, frase que se tornou o mantra que ainda hoje me impede de me acomodar. Ao longo dos anos, mesmo sem ouvir a sua música, continuei a ouvir as suas mensagens e a admirar a forma como se manteve pertinente na cena musical, goste-se ou não do estilo. Quando teve filhos, já perto dos quarenta, não abrandou, mostrando que ser mãe não é abdicar das ambições pessoais. Continuou a lançar álbuns, a fazer digressões grandiosas, a criar linhas de produtos ou a escrever livros infantis. O tempo passava e Madonna continuava de pedra e cal, a desafiar os preconceitos de género e de idade. A desbravar o caminho e a mostrar às outras mulheres como se faz. Até que a vi sucumbir ao pecado da eterna juventude.
Nos últimos meses, cada fotografia sua que me aterra nas mãos deixa-me perturbada. A pele cada vez mais lisa, os lábios cada vez mais cheios, os cabelos cada vez mais louros. Se está bonita? Não sei. Parece mais nova do que eu, apesar de ter quase mais vinte anos. Será isso bonito? Que mensagem passa às outras mulheres, agora que está perto dos sessenta e cinco? Que temos de parecer novas para olharem para nós. Que temos de parecer jovens para que nos dêem atenção. Que temos de eliminar todas as rugas para continuarmos desejáveis. Fiquei desiludida, porque achava que ela me ia mostrar como envelhecer e continuar a “partir tudo”. Mas mais do que desiludida com a forma como ela escolheu viver a sua idade, fiquei preocupada com a sociedade em que nos tornámos, tão fútil e superficial, tão focada nas aparências que até a Madonna, que não tem nada a provar a ninguém, que tem dinheiro para continuar a fazer o que gosta e publicitar o seu trabalho, caiu na ardilosa teia do parecer.
A obsessão pelas mulheres jovens vem de longe e é um reflexo de uma sociedade machista e patriarcal. As mulheres queriam-se novas para casar e garantir uma boa descendência. A juventude como sinal de fertilidade. As mulheres queriam-se belas para exibir, já que a boca era para manter fechada e os cérebros adormecidos. A beleza como única aspiração. Quando chegava a menopausa, as rugas e os cabelos grisalhos, as mulheres deixavam de ter utilidade. Já não eram nem bonitas, nem férteis, logo, deviam sair de cena, resguardar-se longe da vista e esperar placidamente pela morte. No sentido contrário, os homens, quanto mais velhos, mais sábios e endinheirados. As rugas e cabelos brancos, no caso deles, tornaram-se símbolo de poder.
Só que, entretanto, chegámos ao século XXI, período histórico em que as mulheres já não ficam caladas nem em casa a fazer bordados. Há várias décadas que estão nas universidades e nas empresas e na política e em todos os sectores da sociedade. São activas, cuidam mais de si e estão mais despertas para a sua sexualidade. Valem muito mais do que uma cara bonita e sem rugas, sabemo-lo todos muito bem. E, com a idade, tornam-se menos inseguras e muito mais interessantes. Então, porque continuam os Media, a publicidade, o cinema a promover a eterna juventude? A das mulheres, leia-se, porque aos homens continua a ser permitido envelhecer, sendo as suas rugas e cabelos brancos um ponto a favor na escala do charme. Onde estão as mulheres com mais de quarenta anos com linhas à volta dos olhos e cabelos cinza e peles flácidas e ombros salpicados de sinais? Por que razão não têm espaço, nem visibilidade? Por que razão fazemos com que sintam que têm de pôr mais Botox, fazer mais uma cirurgia, pintar mais os cabelos, cobrir mais o corpo?
Não que eu seja contra os tratamentos estéticos e cirúrgicos. Não sou. Considero-os muito importantes para correcção de determinadas características físicas e para o aumento da auto-estima. Não vejo qualquer problema em usá-los de forma harmoniosa e com moderação. Também não considero a vaidade um pecado mortal. Não me imagino a fazer cirurgias estéticas nem a injectar coisas na cara, mas já fiz peelings para melhorar a textura da minha pele e invisto em bons cremes para retardar os sinais de envelhecimento. Só que retardar não significa eliminar. Para mim, é preocupante que uma mulher de sessenta aparente ter trinta ou que meninas de vinte anos estejam viciadas em Botox. É preocupante que a sociedade tenha uma imagem de beleza onde não cabem rugas, cabelos brancos ou diferentes tonalidades.
Acho, por isso, que devemos todos passar a olhar menos para as Madonnas e a olhar mais para mulheres que não têm medo de envelhecer. Como a Diane Keaton, a Meryl Streep, a Gillian Anderson, a Kate Winslet ou a Andie MacDowell, entre tantas outras. Lindas e maravilhosas em cada uma das suas rugas.
Achei maravilhoso este relato! Tão maravilhoso quanto verdadeiro.
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Filipa, completamente de acordo!
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