Com a neura

Hoje estou com uma grande neura.

Não sei se também vos acontece, mas eu tenho alguns dias assim, sobretudo se lá fora o tempo está feio e invernoso. Acordo com a neura, qual amante indesejada que devia ter ido embora a meio da noite, e levo-a para todo o lado, como a nuvem cinzenta dos livros de banda desenhada.

Para quem não está familiarizado, uma neura é quando não nos apetece falar com ninguém. Quando a paciência se esgota à primeira contrariedade. Quando todos os nossos planos parecem falhados, patéticos, inconsequentes. Quando não nos apetece fazer nada porque achamos que nada do que façamos vai mudar alguma coisa. Quando nos apetece chorar sem nenhuma razão especial. Ou gritar. Ou ser do contra. Ou ir para a cama para que o dia acabe depressa.

As pessoas muito optimistas não compreendem este estado de alma. Ficam aflitas quando alguém lhes aparece atravessado (e devem ficar, já que são o tipo de pessoa que espicaça os demónios da neura). Querem identificar o problema, resolver o problema, insistem que tem de haver um problema. Temem que seja o início de uma depressão. Só que não. Ao contrário da depressão, a neura é um estado de espírito passageiro, normalmente não dura mais do que vinte e quatro horas e, no dia seguinte, parece longínqua e irrelevante. É comum dissipar-se quando aceitamos aquele convite para uma cerveja ao final do dia, quando vemos um filme cómico, quando vamos nadar, fazer yoga, colorir mandalas ou cozinhar.

Mas se não se dissipar, mesmo usando os truques acima e outros que tais, resta-nos interiorizar que há dias maus sem que isso signifique que a nossa vida é má. Sem que isso signifique que amanhã nos sentiremos na mesma. Sem que isso signifique alguma de especial. Porque não é mesmo nada de especial. É só uma neura.

E não é que a minha, depois de desmascarada na praça pública, perante os meus leitores, saiu a correr, envergonhada? Adeusinho, vai pela sombra!

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