
Ontem o meu filho chorou com saudades dos amigos. Chorou compulsivamente. Disse-me que tem saudades até daqueles de quem não gosta. Sente inveja da irmã porque ela pode ir à escola e ele não e, por isso, assim que ela chega a casa, provoca discussões para poder descarregar nela as suas frustrações. Desinteressou-se de aprender. Faz os mínimos olímpicos, entediado e em protesto, quando tem capacidade para muito mais. Nós tentamos entretê-lo como podemos. O pai, em teletrabalho mas sem qualquer diminuição da intensidade, ao final do dia tenta sempre ir jogar com ele à bola. Eu, negligenciando por completo quer a minha escrita quer o meu negócio próprio, levo-o a dar pequenos passeios a meio do dia. Muitas vezes passamos dias inteiros na praia e até já estivemos com dois dos seus amigos em pequenos programas de fim-de-semana. Mas não chega.
A minha filha, andava a portar-se mal. Birrenta, carente, embirrante. Assim que regressou ao jardim de infância, no início deste mês, voltou a cantarolar, a cumprir regras, a ser carinhosa. Eu não queria mandá-la, mas ela pediu-me muito. Disse que tinha saudades das amigas. Acorda com energia e não quer chegar atrasada. Ficou triste quando lhe disse que para a semana vamos para Sesimbra e não vai poder ir. Tive de prometer que só vamos uma semana.
As crianças precisam de outras crianças. De aprender a socializar com os seus pares, e não apenas com os seus pais. Precisam das pequenas disputas e conflitos, dos abraços e das gargalhadas, de fazer disparates que sabem que os adultos não vão aprovar. Precisam de correr, gritar, jogar, descobrir o seu espaço, desenvolver a sua identidade. A escola é o único lugar que têm para fazê-lo, numa altura em que já abriram restaurantes, museus, centros comerciais, creches, jardins de infância, mas não os parques infantis.
Se as escolas não abrirem em Setembro, não estaremos apenas a privar os pais de irem trabalhar e tentar o milagre de salvar a economia. Não estaremos apenas a privar todos os cidadãos dos 6 aos 16 anos de usufruírem de um dos seus direitos fundamentais, segundo a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, cujo princípio 7º sustenta que «a criança tem direito à educação, que deve ser gratuita e obrigatória, pelo menos nos graus elementares. Deve ser-lhe ministrada uma educação que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade. O interesse superior da criança deve ser o princípio directivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais. A criança deve ter plena oportunidade para brincar e para se dedicar a actividades recreativas, que devem ser orientados para os mesmos objectivos da educação; a sociedade e as autoridades públicas deverão esforçar-se por promover o gozo destes direitos.»
Se as escolas não abrirem em Setembro, estaremos sobretudo a impedi-las de crescer de forma saudável. E isso terá consequências a nível social e psicológico. Consequências para uma geração inteira.
Parabéns pela crónica. As crianças têm, felizmente, uma capacidade de recuperação que supera em muito a dos adultos por isso esperamos todos que a vida do dia-a-dia que lhes era conhecida até agora e que foi abriptamente interrompida, terá que voltar muito em breve.
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