Dia Mundial dos Parvos

H2020-04-23 19.28.03oje celebra-se o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, um dia instituído pela ONU em 1995 para  estimular a reflexão sobre a leitura, a indústria de livros e a propriedade intelectual. E há tanto para reflectir…

Não é novidade para ninguém que poucos são os que têm o hábito de ler. Basta olhar à nossa volta. Antes, era comum ver-se alguém a ler numa esplanada, num banco de jardim, nos transportes públicos, nas salas de espera. Hoje, nesses locais, os olhos apenas se detêm nos telemóveis. Antes, andar com um livro debaixo do braço era sinal de ser culto.  Hoje, o único culto que interessa é o das celebridades. Antes, quem não podia comprar livros frequentava as bibliotecas ou fazia trocas entre amigos. Hoje, mesmo quem pode comprar livros prefere ver o filme e, quando muito, faz download ilegal do pdf.

Assim, não é difícil perceber a profunda crise que o livro vive. Não o livro em si, porque esse, enquanto houver quem não consiga viver sem dar corpo às suas histórias, existirá sempre. Mas, provavelmente, deixará de ser publicado.

É que parece que muitos não compreendem todo o trabalho que dá colocar um livro à disposição de um leitor. Começa no autor, claro, que, sem receber um tostão, escreve e pensa e cria por amor, por casmurrice ou na expectativa de ver, talvez um dia, as suas palavras publicadas. Seguem-se os editores que lêem e relêem e corrigem as obras que lhes chegam, até encontrarem aquelas que consideram  publicáveis. Depois o editor apresenta o trabalho a quem tem poder de decisão na editora, que vai considerar se o autor é vendável, se o tema está na moda, se a obra lhes trará o mínimo de retorno. Quando há luz verde, entram os revisores, paginadores, designers de capas. E depois a comunicação, a distribuição, o marketing. Finalmente, o livro chega às livrarias que aceitaram recebê-lo e tem umas semanas de destaque nos escaparates das novidades. Até deixar de o ser e passar para as estantes do armazém, onde ficará esquecido até algum leitor perguntar por ele. É este o ciclo. As margens são mínimas para todos os participantes, a começar no autor, que raramente recebe mais de 10% do preço de venda. Os outros noventa são divididos entre editora, distribuidora e livraria, o que dá para perceber que nenhum deles tem grande lucro.

Então, quem quererá ter tanto trabalho para receber tostões? Porque é que continuam os autores a escrever, as editoras a editar, as livrarias a insistirem em manter-se abertas?

Porque somos parvos. Porque continuamos a acreditar que o nosso trabalho é necessário. Porque continuamos a defender que um livro é muito mais do que um objecto com umas histórias lá dentro, facilmente substituído por qualquer conteúdo de entretenimento televisivo ou digital. Porque sabemos que um livro é veículo de transmissão não apenas de conhecimento e cultura dita erudita, mas das singularidades da cultura de cada povo e de cada comunidade. Um instigador do sentido crítico, da capacidade de ler e interpretar o mundo. Um pilar para o conhecimento da nossa língua e para o desenvolvimento da escrita.

Celebremos, pois, o Dia Mundial dos Parvos e continuemos a acreditar que os livros nos salvam. Da iliteracia crescente, dos atropelos ortográficos que diariamente nos ferem a vista, da intolerância, do preconceito, da ignorância, do medo, da inquietude, da solidão.

 

2 opiniões sobre “Dia Mundial dos Parvos

  1. Na minha opinião, não é parvoíce, apenas paixão. Não que eu me considere um grande exemplo no que toca às letras, mas já fui muito pior. E se hoje sou menos iletrado e também menos parvo, às letras o deverei.
    Honestamente, eu nem sabia que hoje… ou antes, ontem, foi o dia do livro, ou por esquecimento, ou porque nunca o memorizei em primeiro lugar. Contudo, e de novo, honestamente, estou-me, neste caso literalmente, nas tintas para isso, pois o dia do livro é quando um(a) escritor(a) ou um(a) leitor(a) quiser, e seria de lamentar que só nos lembrassem ou nos lembrássemos disso uma vez por ano.
    Se eu sou parvo por acreditar nisso, então, com muito gosto, juntar-me-ei ao clube…

    PS: Excelentes sugestões na foto, faz-me lembrar a minha pequena estante, pois possuo todas elas e recomendo-as veementemente. Parabéns.

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