No rescaldo da época balnear que agora termina, venho falar-vos de um novo flagelo com que me deparei em várias praias portuguesas e que podem dar cabo de um dia à beira-mar. Como se não nos bastassem o vento a levantar areia e chapéus-de-sol, as motas de água a zumbirem aos ouvidos como melgas ou as dolorosas picadas de peixe-aranha, nos tempos que correm estamos sujeitos também às pessoas que não sabem o que são auscultadores. Pessoas que não têm qualquer pudor em se alaparem a dois metros da nossa toalha e ligar o telemóvel em alto e bom som, com o ar triunfante de quem tem ali o melhor set alguma vez ouvido no areal, o que, invariavelmente, não podia estar mais longe da verdade.
Bom, na verdade, desde os anos oitenta do século passado, que já havia quem fosse para a praia munido do seu “tijolo”. Porém, à medida que a tecnologia e o civismo avançaram, estes foram sendo substituídos por walkmans, depois discmans e mais tarde iPods, para bem da paz de espírito de quem vai à praia para ouvir o mar, e não a música do vizinho do lado.
Atenção, eu não tenho nada contra quem gosta de ouvir música na praia. E percebo que, quando estamos com um grupo de amigos, queiramos partilhar a nossa playlist com eles. Mas num país com oitocentos e cinquenta quilómetros de costa é difícil compreender quem não se afasta um bocadinho de forma a não incomodar os outros e que, para mais, fica ofendido se pedimos que baixe um pouco o volume. Completamente alheias ao significado de noção, estas pessoas gostam de apregoar que estão no seu direito, como se usar um telefone aos altos berros, na praia ou onde quer que seja, figurasse na constituição.
Perante isto, temos duas hipóteses: ou mudamos de lugar sem sequer olhar para trás, ou enveredamos por uma desagradável disputa de argumentos, que normalmente incluem «eu também tenho o direito de não ouvir a sua música», «então se está mal, mude-se», «eu já estava aqui primeiro», «o ar é de todos» e por aí abaixo até ao insulto. E lá se vai o agradável dia de praia. E tudo isto podia ser totalmente evitado com o uso de um simples objecto inventado em 1919, comercializado desde os anos 50 e massificados desde os anos 80: os auscultadores, mais conhecidos actualmente por fones.
O mais grave é que não é apenas na praia que a perda de qualquer pingo de respeito pelo outro se instalou. É muito comum o mesmo acontecer nos transportes públicos, nos jardins e até no meio da rua, uma vez que cada vez vejo mais energúmenos com colunas de som às costas, incluindo ciclistas, obrigando toda a gente a ouvir a música que eles decidiram ouvir. E bem sei que gostos não se discutem, mas se ainda fosse música de jeito… É que, curiosamente (ou não!), de essas colunas ambulantes nunca ouvi sair um nocturno de Chopin, um êxito dos Beatles, ou mesmo um faduncho à maneira. Mas lá está, gostos não se discutem e não é do gosto musical duvidoso de quem arma este tipo de espalhafato que esta crónica trata. É apenas da sua falta de civismo, noção e respeito pelo outro.
Assim, deixo um apelo a quem acha que tem o direito de ouvir a sua música alta, esteja onde estiver: oiçam o que quiserem, no volume que quiserem, durante o tempo que quiserem, mas façam um favor à Humanidade e usem os fones.

Ola Filipa adorei tuas palavras. Quando é assim, ouve as musicas. É GRÁTIS.
Beijinhos e bom resto de Verão.
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Nem tudo o que é grátis é bom. Geralmente, nestes casos eu até pagava para não ter de ouvir.😂😂😂
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Parabéns, sou de acordo com cada sílaba escrita !!!! Quem dera que a humanidade entendesse que não vivemos somente de direitos, mas principalmente de deveres, sobretudo, deveres com o próximo!!
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Muito bem Filipa. Adorei ler o teu artigo. Deveria ser proibido ouvir música nas alturas na praia e parques públicos.
Estou completamente de acordo com o que escreveste.
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Obrigada!
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Não imaginas o quão feliz estou por ter lido isto.
Sem querer soar estranho quero imenso ser tua amiga!
Acho realmente que se devia dar mais atenção a casos como estes, interferem muito com a saúde mental. Há cada vez mais estudos em como a poluição sonora é uma das maiores causas de stress e problemas de saúde cardíacos em idade precoce.
Já sofri e sofro muito com isso no dia a dia, acabo por não conseguir ter os meus hobbies e relaxar por questões de barulho de outros, e sempre sinto que eu é que estou mal.
Obrigada por teres tido a coragem de manifestar isto, acho que devíamos todos seguir este exemplo!
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Sem dúvida, Joana! Parece que já ninguém sabe estar em silêncio, a desfrutar a natureza e sem a porcaria do smartphone…
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