
No outro dia comi um pastel de nata que me fez ouvir música clássica. Juro que é verdade. Enquanto mastigava, de olhos fechados, pareceu-me ouvir uma sinfonia, como na abertura de um filme épico. Talvez o prazer que estava a sentir tenha despoletado sentidos imaginários, não sei. Só sei que há muitos anos que não degustava um pastel de nata como ele merece ser degustado.
Normalmente como um doce porque tenho uma certa fome de açúcar. Outras vezes como um doce entre uma conversa e um café. De uma forma ou outra, é algo feito mecanicamente, entre outros estímulos, sem pensar muito no assunto, até porque, se pensasse, começaria a contar as calorias e o colesterol e isso tira logo metade do gozo de comer um doce. Porém, nessa vez, a casa estava em silêncio, as crianças dormiam, e quando peguei no pastel de nata, em vez de me sentar no sofá e ligar a televisão, como habitualmente faço, decidi concentrar-me apenas naquele pequeno prodígio na doçaria nacional.
Primeiro, salpiquei-o com canela em pó. Depois, peguei nele sem aplicar muita pressão para que a massa não quebrasse. Por fim, dei a primeira dentada. Meu Deus! Já não me lembrava de como é bom sentir nos dentes o crocante da massa folhada, que logo abre espaço para o recheio amarelo-suave escorregar boca adentro, espalhando-se pela língua com deleite. A mistura de texturas, entre massa, recheio e aquela película brilhante e ligeiramente queimada que se forma na superfície do pastel, é para mim, a santíssima Trindade da pastelaria. E naquele momento, abstraindo-me de qualquer distração, pude ouvir as minhas papilas gustativas a gritarem “Aleluia!”.
Por que decidi fazer esta inusitada confissão? Porque no final da minha experiência, após engolir o último pedacinho e lamber as migalhas que se tinham agarrado às pontas dos dedos, apercebi-me de que, neste mundo veloz onde a nossa atenção se dispersa por várias coisas ao mesmo tempo, é fácil perder a noção da importância de ter tempo para viver uma coisa de cada vez. Mesmo que seja saborear um simples pastel de nata. Devagarinho.
Além de outros predicados, o que me tocou mais, foi a naturalidade, a simplicidade das palavras, que nos levam de olhos fechados a acompanhar e saborear a degustação do ex libris de Belém. A autora, não se municíoude palavras rebuscadas, mas deixou a naturalidade despontar ( claro que está sempre presente a griffe de escritora), e , foi um misto de chef de patiserie, e, cicerone nesta visita ao império do gosto, de saborear, um simples , pastel de nata ( onde é que eu já ouvi isto ??? ). Bom Ano 2022, Filipa e Família
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Óptimo. Muito diferente da tua escrita habitual. Tens algumas gralhas no final do texto.
Beijinhos
Enviado do meu iPhone
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