
Há cerca de nove meses fui pela primeira vez a um psicólogo. Andava ansiosa, irritada, com falta de paciência e distúrbios de sono. Tentei convencer-me de que era uma fase, causada pela recente remoção da tiroide e consequentes desequilíbrios hormonais, e que ia conseguir resolver a coisa sozinha, com mais yoga, meditação e chá de camomila. Chegava mesmo a ficar furiosa quando o meu marido me dizia que eu devia falar com alguém.
Na primavera de 2019, além dos sintomas acima, comecei a andar constantemente doente: ora era a rinite, ora era o refluxo, ora era uma amigdalite, mas curiosamente, não disse a mim própria que era uma fase e não tentei curar-me sozinha. Fui ao médico de família, ao otorrinolaringologista e ao gastroenterologista sem qualquer hesitação. Depois de verem o meu histórico, o meu estilo de vida, os meus hábitos alimentares, aparentemente saudáveis, perguntei se havia alguma razão para estar sempre doente. E a resposta foi unânime: quando estamos mal emocionalmente, as defesas baixam e a saúde física ressente-se, alguma vez considerou um psicólogo? À primeira não liguei, mas quando o terceiro médico me disse a mesma coisa, caiu-me a ficha. O meu marido tinha razão! Talvez me fizesse bem falar com alguém.
Deixem-me que vos diga que foi a melhor decisão que tomei na vida e só lamento não ter começado mais cedo. A experiência tem sido óptima, mesmo nas sessões em que choro como uma Madalena arrependida, e tem-me dado novas ferramentas para enfrentar as coisas que me incomodam. Sinto-me cada vez mais positiva e nunca mais fiquei doente.
Bom, mas não estou aqui a expor a minha vida privada só porque não tenho mais nada sobre o que escrever. Estou a fazê-lo porque quanto mais retiro das sessões, mais me pergunto se ir a um psicólogo, a dada altura da vida, não deveria ser um mandatório. Se vamos ao médico de família fazer um check-up ao corpo, porque é que não vamos ao psicólogo fazer um check-up às emoções? Se vamos ao ortopedista porque nos dói o joelho, porque não vamos ao psicólogo quando nos dói a alma? E a resposta é: por preconceito.
Numa sociedade em que passamos cada vez menos tempo a conversar olhos nos olhos, é difícil acreditar que os outros sintam o que nós sentimos. Numa sociedade em que só partilhamos as coisas boas e bonitas das nossas vidas, é difícil admitirmos que temos problemas. Numa sociedade em que todos temos de ser determinados, auto-confiantes, melhores que os outros, é embaraçoso mostrar o nosso lado fraco. E por isso entramos em negação, varremos tudo para debaixo do tapete e fazemos o que for possível para parecermos normais.
As pessoas normais não vão ao psicólogo porque têm trabalhos normais e famílias normais e vidas completamente normais. As pessoas normais sabem resolver todos os seus problemas normalmente, e são tão normais que não têm fraquezas, nem ansiedades, nem dúvidas existenciais, nem medos. As pessoas normais, quando estão em baixo, vão dar um passeio pela praia, vão beber uns copos, vão falar com um amigo e a coisa passa. Quando vão a um psicólogo é porque estão mesmo no fim da linha. «Ela foi ao psicólogo e tudo!», sendo o «e tudo» indicador da gravidade da situação.
E é isto que nos está a matar. O preconceito em falar da saúde mental, como se todas as partes do corpo pudessem adoecer, menos a cabeça. E é isto que faz com que fiquemos surpreendidos quando ouvimos dizer que fulano tal, que era uma pessoa normal, teve um esgotamento ou suicidou-se ou tornou-se alcoólico ou disparou uma arma sobre uma multidão.
Quanto mais depressa todos, enquanto sociedade, nos apercebermos de que não há pessoas normais, mais fácil será falar das emoções sem qualquer constrangimento. Mais fácil admitir ao colega do lado que vamos sair mais cedo para ir ao psicólogo. Mais fácil será pedir ajuda e apercebermo-nos de quem precisa de ser ajudado. Porque ninguém é normal e não há nenhum problema nisso.
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