Sou feminista desde os meus 8 ou 9 anos. Pode parecer um pouco precoce e, claro, na altura, eu não sabia o que era o feminismo, nem que os movimentos feministas já existiam desde o século XIX, muito menos que já tinham morrido e continuavam a morrer mulheres apenas por lutarem pelos seus direitos mais básicos. Mas sentia na pele a discriminação, porque tinha um irmão mais velho e parecia que para ele era tudo mais fácil.
Era mais fácil fugir à ajuda nas tarefas domésticas, era mais fácil ir dormir a casa dos amigos e, partir de uma certa idade, sair à noite, coisa que eu, até aos meus 17 anos só podia fazer se ele também fosse. Além disso, o meu irmão não passou pela vergonha de lhe aparecer o período e ouvir coisas como “agora és uma mulherzinha, já não podes andar a brincar na rua de qualquer maneira”, “tens de te sentar sempre de pernas fechadas”.
Como? Perguntava-me eu em choque. Então, na escola ensinavam-me que as mulheres podiam ser tudo o que quisessem, médicas e cientistas, escritoras e astronautas, mas no dia-a-dia, no seio da família, a mensagem que passava era o oposto. A mensagem que passava é que o meu irmão podia fazer certas coisas sozinho e eu não. Que o meu irmão podia brincar como quisesse e eu não. Que o meu irmão podia assobiar, mas eu não, porque “quando uma menina assobia a nossa senhora chora”! Ou seja, a mensagem que passava, mesmo que não intencionalmente, é que não só éramos diferentes, como ele era mais capaz.
E é por isso que hoje, passados mais de 100 anos das primeiras lutas, ainda estamos tão longe de paridade entre homens e mulheres. Porque durante mais de um século, a discussão sobre igualdade de género tem sido essencialmente teórica, académica, radical e muito politizada, quando a verdadeira mudança só poderá acontecer se partir da base. E a base é a educação.
Não vale de nada falar de igualdade entre géneros se as crianças ouvem os adultos dizerem coisas como “pareces uma menina a correr”. Ou “um homem não chora”. Ou “este condutor guia tão mal que só pode ser uma gaja”. Ou “ a conversa ainda não chegou à cozinha”. Ou ainda dizerem a um rapaz com vinte e tal anos solteiro “fazes bem, namora muito, não tenhas pressa”, e a uma mulher da mesma idade perguntarem “então, mas não vais casar e ter filhos?”. Pode parecer um exagero, mas estas palavras marcam-nos enquanto crescemos. As mesmas ideias repetidas vezes sem conta começam a soar a verdade e a entranhar-se no subconsciente das meninas e dos meninos. Elas começam a questionar as suas capacidades e eles começam a achar que são melhores, mais fortes, mais independentes.
Não vale de nada falar de igualdade se os meninos não forem educados para fazerem as mesmas tarefas que as meninas em casa e para um dia serem pais intervenientes, que não tenham vergonha de lutar pelos seus direitos paternais, que possam também sair mais cedo para irem buscar os filhos à escola ou faltarem porque o filho ficou doente sem terem de inventar desculpas de ir com o carro à revisão ou coisa do género. Educados para poderem chorar e admitir sem vergonha quando também eles são vítimas de assédio ou de violência.
E a educação começa na linguagem. A linguagem é uma ferramenta mais poderosa do que possam imaginar. Cada palavra tem muito mais peso do que o seu significado e por vezes, mesmo sem nos apercebermos estamos a passar a mensagem errada só por usar uma palavra ou expressão errada.
Aliás, a própria palavra igualdade, nem sempre é bem utilizada nesta discussão. Porque não faz sentido haver igualdade ENTRE homens e mulheres. Nós somos fisiologicamente diferentes, anatomicamente diferentes, e os nossos cérebros trabalham e reagem as mesmos desafios com hemisférios diferentes. Ou seja, por mais que digamos que não, vai haver sempre coisas em que os homens são mais aptos. Profissões com certos graus de exigência física ou que requerem um lado mais pragmático, por exemplo. E outras coisas que saem mais fáceis às mulheres. Até no desporto isso é evidente e ninguém anda a reivindicar que todas as equipas de todos os desportos sejam mistas. Não faria qualquer sentido. Não se podem mudar por decreto as especificidades intrínsecas a cada género. Nem é isso que se quer.
O feminismo, como eu o entendo, não defende que as mulheres são superiores. O feminismo não é uma luta entre géneros. Nenhum género é melhor do que o outro. São simplesmente diferentes e uma sociedade justa e saudável é uma sociedade onde há diversidade. O feminismo é sim, uma questão de civismo, que defende a igualdade, sim, mas DE direitos, DE oportunidades, DE escolha.
O mais interessante nesta discussão é que as crianças nascem todas com predisposição para a justiça e sem preconceitos de género. Em diferentes testes científicos, quer rapazes quer raparigas mostraram-se sensíveis a estas questões e ficam espantados quando lhes dizem que há coisas que as mulheres não podem fazer só porque são mulheres. Eu própria tive essa experiência ao crescer com um irmão. Nunca foi ele que me discriminou. Ele tinha as mesmas brincadeiras brutas e chamava-me os mesmos nomes que chamaria se eu fosse rapaz. Nunca me impediu de brincar ao que quer que fosse (eu as vezes é que não queria porque não achava graça as brincadeiras dele) e quando nos pegávamos a sério, não queria saber se eu era menina. Hoje como mãe de um rapaz e de uma rapariga também constato que só agora, com sete anos, é que o meu filho começa a ter vergonha de brincar com a irmã às cozinhas ou com bonecas. Só agora começa a dizer coisas como “isso é coisa de menina”. Porque essa é a linguagem usada pelos seus pares.
Eu posso ensinar aos meus filhos tudo sobre feminismo e igualdade, mas se quando saem de casa, a sociedade lhes diz constantemente o contrário, fica mais difícil. É como a história das vacinas. Se apenas uma ou duas crianças se vacinarem, dificilmente se controla uma doença. Agora se a maioria das crianças se vacinar, temos a tal imunidade de grupo. Então é por isso que temos de lutar hoje e todos os dias: pela imunidade de grupo contra o machismo, o sexismo, a paternalismo e todos os tipos de violência contra as mulheres.
Enquanto sociedade, nós, homens e mulheres, não precisamos deste dia para mostrar que as raparigas conseguem e podem e fazem tudo o que quiserem. Todos os dias há milhões de mulheres por esse mundo fora a prová-lo. Atletas, cientistas, artistas, professoras. Precisamos deste dia para despertar as consciências Para educar. Para que os homens vejam as mulheres como iguais e não como propriedade deles, em quem podem mandar, controlar, bater. Precisamos do feminismo para atingirmos a justiça social.
Está provado por diversos estudos que os países com índices de igualdade mais elevados são os mesmos países mais felizes. As empresas com índices de igualdade mais elevados têm menos absentismo e maiores taxas de retenção de talento e de satisfação laboral. Os casais em que há maior partilha de tarefas domésticas e do cuidado dos filhos, têm relações mais felizes, mais saudáveis, são menos propensos a depressões e têm filhos mais independentes e auto-confiantes. Ou seja, é do interesse de todos nós, se queremos viver numa sociedade mais feliz, lutar para que o fosso que ainda existe entre homens e mulheres diminua, até um dia, esperemos que breve, desapareça por completo, ao ponto de a ideia de uma mulher ganhar menos do que um homem pela mesma função, uma mulher ser despedida por engravidar, uma mulher ter de depender de cotas para ascender a lugares políticos de relevo, uma mulher ter de ouvir declarações misóginas por parte de um juíz, pareça tão obsoleta e disparatada como hoje nos parece a escravatura, por exemplo.
Então, lutemos todos, homens e mulheres. Sejamos todos feministas.
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