Sou uma idealista. Sou mesmo. Acredito que cada um de nós tem o poder de provocar pequenas mudanças que podem tornar o mundo melhor. Seja na defesa de direitos humanos ou do ambiente, seja pela solidariedade ou pela educação, há sempre maneiras de contribuir para uma sociedade mais justa, honesta e saudável.
Ao longo de trinta e nove anos não me tenho coibido de chamar a atenção para as assuntos graves, mas também para as coisas simples, como pessoas que deitam coisas para o chão ou que não se levantam para dar o lugar aos que precisam. E esta minha forma de estar no mundo tem resultado em longos revirar de olhos por parte dos cépticos e de todos aqueles que já se conformaram em simplesmente viver a sua vidinha, que isto o melhor é a gente não se meter em nada que não nos diga respeito. Tenho conseguido conservar a esperança e a resiliência para continuar a fazer e a dizer o que considero correcto, mesmo que seja a única a fazê-lo. E a verdade é que não é difícil conviver com os descrentes, nem com os que se estão nas tintas. Não é difícil remar sozinha contra a maré enquanto outros ficam na areia a observar, muitos a torcer para que o barco se vire apenas para poderem dizer “estava-se mesmo a ver!”. Difícil mesmo é conviver com a crescente desonestidade que se está a apoderar de todos.
Sempre houve e haverá pessoas desonestas, não me tomem por ingénua, mas sinto que antigamente (sim, talvez esteja mesmo a ficar velha) a desonestidade ainda era vista com maus olhos. Ninguém gostava de ser apanhado a cometer uma falcatrua, a enganar o sistema, a mentir com os dentes todos. Ninguém queria ser olhado de lado, ouvir bocas foleiras e deixar a família a morrer de vergonha. Porém, hoje parece que poucos se importam com isso.
Nos dias que correm, ser desonesto é quase uma virtude, tendo em conta a quantidade de gente que se vangloria das suas trafulhices ou que, ainda que não publicitando a coisa, anda por aí, de cabeça erguida, como se nada de errado tivesse acontecido. Os outros é que são parvos por não fazerem o mesmo! Mas o mais grave é que este tipo de atitude já não se revela apenas na política, nas grandes empresas ou nos meios onde é fácil manter um certo anonimato. É algo que acontece todos os dias, nas mais pequenas coisas, também nos meios pequenos, onde todos se conhecem pelo nome. E cada vez que fechamos os olhos estamos a alimentar o monstro e a passar a ideia de que não faz mal mentir, enganar, ocultar.
Há um ditado que diz que enquanto o pau vai e volta, folgam as costas. Agora parece que é enquanto ninguém nos impede, enganamos quem for preciso. Depois logo se vê. Entre alguém fazer alguma coisa, haver uma queixa, seguir para a justiça e haver um castigo ou condenação, já o mal está feito e refeito, as vezes que forem possíveis. Os prevaricadores riem-se da impunidade e os outros assistem a tudo com a crescente sensação de que devem ser mesmo parvos por ainda fazerem as coisas honestamente. De maneira que um dia experimentam. E como a coisa corre bem, repetem, e quando dermos por nós, serão as pessoas sérias e cumpridoras a serem alvo de chacota, apontadas a dedo na rua, ostracizadas no café do bairro.
– Tu não te dês com aquela gente, que tem a mania que é superior.
– Então?
– Então não é que meteram os papéis na câmara para pedir licença para fazerem uma marquise?
– Não acredito!
– Sim, vê lá! Em vez de mandarem fazer aquilo e pronto, como toda a gente faz, foram lá pedir. E agora está-se mesmo a ver que vem cá o fiscal e nós é que ainda somos todos multados!
-Sacanas! É preciso não ter mesmo vergonha nenhuma na cara!