Desde que comecei a publicar livros, volta e meia recebo mensagens de estudantes a pedir conselhos sobre publicação, dicas de escrita ou listas de leituras. Há uns meses recebi o pedido para dar uma entrevista para um trabalho da faculdade. A Susana Neto está a tirar Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma e escolheu-me como tema para o seu trabalho e eu aceitei logo, porque um dia também fui estudante de comunicação e também tive de fazer uma entrevista “a sério”. Na altura, foi a Judite Sousa quem me concedeu um pouco do seu tempo e eu nunca esqueci a sua simpatia.
A Susana comportou-se como uma verdadeira profissional e acho que merece que o seu trabalho seja lido por mais pessoas para além da professora, até porque o resultado é muito interessante. Ora leiam!
Filipa Fonseca Silva: “O meu sonho sempre foi ser escritora”
por Susana Neto
Filipa Fonseca Silva, 43 anos, tem atualmente seis livros publicados em Portugal. Além de escritora é também, dona da Not Yet Famous, uma marca de óculos de sol e T-shirts. Licenciou-se em Comunicação Social e Cultural pela Universidade Católica, e trabalhou como criativa publicitária até 2017.
Como começou a sua paixão pela literatura?
Desde que me lembro. Em miúda pegava nos livros e como não sabia ler, inventava histórias, andava sempre com livros na mão e olhava para as imagens. Contava em voz alta aquilo que estava a ver pelas imagens. Desde os seis anos, quando aprendi a ler e a escrever, nunca mais parei.
Qual foi o motivo que a fez querer tornar-se escritora?
Sempre quis ser escritora. Quando era miúda escrevia histórias, tentava escrever com a letra mais bonita que conseguia. Fazia as capas e colocava a minha fotografia na contracapa. Tentava fazer com que parecesse um livro autêntico. Ser escritora sempre foi o meu sonho, mas quando foi a altura de ingressar para a faculdade vi-me em desacordo com os meus pais. Literatura não é o curso com maior sucesso e ser escritora em Portugal não é considerado uma profissão, mas sim quase
como um hobby, como que alguém que faz qualquer coisa e também escreve. Consequentemente, optei por enveredar pela Comunicação Social, achando que, no final, iria optar pela vertente jornalística, sendo uma profissão que me permitiria escrever. Mais tarde, optei pela vertente publicitária, por me dar a possibilidade de ser criativa. Cada anúncio é como contar uma pequena história, e foi isso que me fez apaixonar pela publicidade. Mesmo só com 30 segundos, conta-se uma história.
No seu instagram e no seu site afirma ser feminista. Tem o feminismo um papel nos seus livros?
Os livros que escrevo não são, por si, feministas. Tento sempre focar-me em temas que me preocupam. Já abordei relações abusivas, a gravidez na adolescência e o aborto clandestino. Há temáticas que são importantes e que quero passar. Para mim, a literatura tem esse papel de humanização, de dar perspetivas diferentes. O feminismo torna-se mais um desses temas. Não é uma literatura em que só há mulheres e todas são
heroínas. É bom que sejamos todos uma sociedade em que as coisas se complementem, o masculino e feminino e não haja uma divisão em que um está acima do outro. Mas gosto de mostrar a perspetiva feminina, o ponto de vista das mulheres.
Quais as mensagens que pretende passar com os seus livros?
Questões que me inquietam. Por vezes políticas, como os refugiados, outras vezes as relações entre seres humanos. Todos os livros devem conter uma mensagem, assim como os contos de fadas que têm moral da história. No fundo, obrigar o leitor a pensar. Gosto de trazer temas que enriqueçam os leitores, que não sejam apenas entretenimento. Tento mostrar aos leitores perspetivas de vida diferentes. As minhas personagens são sempre pessoas banais, mas mesmo essas pessoas anónimas têm histórias. Lá por não descobrirem a cura de uma doença não quer dizer que não sejam pequenos heróis das suas vidas, que não participem na história da humanidade. Resgatar os anónimos, talvez seja essa a minha maior mensagem: as pessoas comuns, também têm algo que as torna incomuns e todas as histórias interessam, por mais banais que pareçam.
Como é ser uma autora em Portugal? Acha que existe pouca valorização pelos escritores nacionais?
Sim, a literatura em Portugal é muito fechada. Há um certo “snobismo”, no sentido em que só é considerado literatura algo erudito e difícil, que requer concentração. Tudo tem de ser muito poético e filosófico. Quando surge algo com uma linguagem mais simples e fácil, é categorizado como literatura banal, que não interessa. Existe esse preconceito.
Além disso, ainda existe um certo machismo. Por exemplo, o prémio Saramago, todos os vencedores convidados para estar no palco este ano eram homens. Se uma mulher escreve um livro sem grandes aspirações filosóficas, é considerada uma literatura mais simples, mais comercial. Como foi escrito por uma mulher é logo colocado de lado, mas se a mesma história fosse contada por um homem já era considerado um romance. Os homens têm sempre mais destaque, além de mais
entrevistas. O que é estranho, porque são as mulheres que mais compram livros. São as próprias mulheres que não levam a sério as autoras nacionais? É porque o livro nunca teve grande destaque? Há imensas questões que têm de ser levantadas. Há muitas mulheres portuguesas a escrever bem. Na minha conceção de feminismo tem de haver
igualdade, e para isso tem de existir equidade na representação e nas oportunidades.
Durante toda a sua carreira profissional, qual foi a maior lição que aprendeu?
Um dia transmitirei aos meus filhos que ninguém é insubstituível e, às vezes, quem chega mais longe, não são sempre os melhores. Há uma data de fatores que influenciam a carreira de uma pessoa. Às vezes é uma questão de sorte. Acho que devemos dar sempre o nosso melhor, mas com essa noção. Vai sempre haver injustiças, vai sempre haver aquele colega que vai ser mais reconhecido e faz metade do que os outros fazem. Não deixar que isso condicione a nossa auto-estima, porque nós
somos muito mais do que aquilo que fazemos. A profissão é muito importante, como é obvio, não só porque precisamos de dinheiro, mas por realização pessoal. Mas a profissão não é o que nos define.
Este ano saiu um estudo que revelava a falta de interesse dos portugueses pela literatura. 61% da população nacional não leu um único livro em 2020, ano de pandemia. O que se pode fazer para alterar este problema?
Há vários problemas, mas o que mais se destaca é o plano nacional de leitura. É completamente arcaico e desatualizado. Saramago é o meu autor preferido, apesar de só o ter lido aos 28 anos. Claro que é importante saber quem foi Saramago, Eça de Queiroz e Camões, pois faz parte na nossa cultura. No entanto, não é bom obrigarem adolescentes a ler os grandes cânones da literatura portuguesa. É mais importante as pessoas gostarem de ler. Existe um livro, um autor para todos. Há tanta coisa diferente, tantos estilos de escrita e géneros literários, que é só uma questão de as pessoas encontrarem o seu. Se obrigam os miúdos a ler, com 15 anos, «Os Maias», é normal que não corra bem. É necessário construir o leitor. «O Crime do Padre Amaro» é muito mais divertido, e o mesmo com Saramago, «A viagem do elefante”» é simples de ler. Devemos criar o hábito de leitura primeiro, e mais tarde, as pessoas vão sentir necessidade de ler coisas diferentes. Além disso, a literatura evoluiu desde os grandes cânones portugueses. Há livros muitos interessantes de autores mais atuais, também literários e académicos, que tocam assuntos mais interessantes para a juventude da sociedade atual, e que talvez lhes dê vontade de ir às bibliotecas e livrarias. Isso é o importante, colocar as pessoas a ler.
Outro grande problema é a falta de apoio à cultura. Do pouco do orçamento que vem para este setor, uma pequeníssima porção vai para a literatura. Os livros são caros porque não são feitas tiragens grandes. Uma edição não tem mais de 2 mil exemplares e assim as editoras não conseguem baixar os preços. Não há qualquer investimento, por parte do governo na literatura.
Acha que as plataformas digitais trazem uma maior facilidade para conseguir expor os trabalhos?
São incríveis. Não só para expor trabalho, mas para criar uma relação com os leitores. Sempre coloquei o meu e-mail no final dos meus livros. Atualmente já não preciso dos e-mails. As redes sociais permitem esse contacto. Embora tenham aspetos extremamente negativos, adoro essa facilidade. As pessoas não têm noção do quão espetacular é para um autor receber mensagens dos leitores, não tem preço. Para mim é muito gratificante, quando recebo uma mensagem a dizer que o livro foi muito especial.
Para si, qual o futuro da literatura portuguesa?
O futuro é bom. Finalmente os portugueses começam a dar mais atenção aos autores nacionais. Há muitos autores diferentes, de diferentes géneros. Os autores nacionais são bons. Ainda é necessário alterar um bocado a mentalidade portuguesa, não só na literatura. Por vezes, ainda somos um pouco “provincianos” em achar que aquilo que é bom é o que vem de fora. Mesmo assim, devido às redes sociais, existe uma grande abrangência e possibilidade de conhecer coisas novas, ou seja, há uma maior democratização no acesso à literatura. O futuro é brilhante.

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