Isso não é amor

Hoje ele vai oferecer-te flores. Ou talvez te leve a ver o pôr-do-sol.

Vai escrever-te um postal que comprou à pressa na bomba de gasolina onde fará juras de amor. Vai dizer-te que és linda e que não sabe viver sem ti. Vai recordar-te de todos os momentos maravilhosos que passaram juntos, enquanto passa as mãos carinhosamente pelo teu rosto, e vai prometer que nunca mais te fará sofrer.

Como quando vais ter com ele ao café onde está com os amigos, tal como tinham combinado, e ele te cumprimenta com um beijo rápido. Fica nervoso. Não gosta que estejas ali muito tempo, porque os amigos dizem palavrões e têm conversas ordinárias. Mas ele não é como eles, claro. Vira-te as costas e continua a conversar. Tu aguardas pacientemente. Sorris para os amigos mas eles não te dão grande saída. É normal. Praticamente, não os conheces. Ele nunca te leva quando sai com eles. São sempre programas de rapazes. Até que olhas para o relógio e perguntas se está pronto. Ele diz que afinal não vai dar para ir ao cinema. Tinha-se esquecido que era dia de jogo. Tu sabes como ele adora ver o jogo com os amigos. O jogo é só hoje e o filme está no cinema todos os dias até ao final do mês. Tem toda a razão. Sugeres ficar com ele a ver. Ele diz que não. Porque não vai poder dar-te a atenção que mereces e aquele também não é o lugar apropriado para uma miúda. É só homens e bêbados. O melhor é ires embora. Fica irritado com o teu ar desiludido. Diz que estás a ser infantil. És demasiado dramática, demasiado carente. Leva-te até à rua, dá-te um beijo demorado e promete que te vai compensar. Tu acreditas. Estás a fazer uma cena sem motivo. Ele ama-te. Mas isso não é amor.  

Como quando te pergunta com quem estás a trocar mensagens no telemóvel e tu respondes que é uma amiga. Qual amiga? Tens de explicar. Sorris assim quando falas com as tuas amigas? Assim como? Com esse sorriso de quem está a gostar? O que é que queres dizer com isso? Que não acredito que seja uma amiga. Dá cá essa merda. E arranca-te o telefone das mãos, percorrendo a tua lista de conversas. Quem é este gajo? É um colega? E tens conversas privadas com colegas, é? Achas isso bem? Já lhe disseste que não és solteira? É preciso ir lá partir-lhe a boca toda? Começa mais uma discussão. Tu explicas-te, justificas-te, respondes a cada pergunta sem levantar a voz. Não o queres irritar. Ele fica sempre um bocado violento quando se irrita. Está só com ciúmes. É porque te ama. Mas isso não é amor.

Como quando diz que a tua saia é demasiado curta ou o teu batom demasiado vermelho. Aliás, nem devias usar maquilhagem, porque te faz parecer vulgar. Já agora, aquele vestido preto que tanto adoras, também podia ir andando. Faz-te parecer mais gorda. Não, ele não quer que o uses só quando sais com as tuas amigas porque acentua-te o decote e depois os gajos começam a olhar para ti. A não ser que tu gostes que outros homens olhem para ti. Gostas, é? Aperta-te o braço com mais força e abre-te muito os olhos quando respondes que usas o que quiseres. Chama-te puta. Tu chamas-lhe cabrão. Dá-te um estalo. Mas isso não é amor.

Como quando te pressiona para avançares mais depressa do que querias na vossa relação sexual. Quando te obriga a fazer coisas com as quais não te sentes confortável. Quando te ameaça que arranja outra se não o fizeres. Porque ele tem as suas necessidades. E diz que tu, no fundo, gostas, mesmo quando gritas não. Mas isso não é amor.

Em 2022, a PSP e a GNR receberam um total de 3530 queixas de violência no namoro, o que corresponde a uma média de cerca de dez situações reportadas por dia. Quase 20% das vítimas tinham menos de 24 anos. A violência no namoro assume vertentes física, psicológica, social, sexual e económica e essa violência pode ser concretizada através de ofensas e agressões físicas, mas também através de humilhação, perseguição ou devassa da intimidade. E embora esta história ilustre o caso de violência de um homem sobre uma mulher, há vítimas e abusadores de todos os géneros.

Vítimas e testemunhas, não se devem calar. Não se podem calar. Porque isso não é amor.

Contactos:

PSP –   escolasegura@psp.pt ou violenciadomestica@psp.pt

APAV  – chamada gratuita: 116 006 (das 9h às 21h)

CIG800 202 148 (24 horas por dia)

«Love», por Paula Rego (1995)

Respostas de 3 a “Isso não é amor”

  1. Maravilhoso!!

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  2. Adorei, Filipa. Realidade, infelizmente mais frequente do que pensamos.
    As mulheres, o melhor da minha vida, às vezes são tratadas como lixo. Revoltante.
    Seu amigo
    Manuel Soares

    Liked by 1 person

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