A carne mata

Por vezes perguntam-me se deixei de comer carne por ter pena dos animais. Outras se estou a fazer dieta. Outras ainda, não perguntam nada, mas olham-me com condescendência, como quem diz “mais uma armada em esquisita”. Porém, a resposta é simples: deixei de comer carne para proteger o nosso planeta. E não pensem que, de vez em quando, não me apetece um entrecosto ou um cabrito assado ou até uma picanha tostadinha. Mas há coisas mais importantes do que os meus desejos de primeiro mundo.

«A pecuária intensiva é a mais destrutiva de todas as industrias: é a principal causa de destruição dos habitats, da perda de vida selvagem, da degradação do solo, do uso indiscriminado de água e uma das principais causas do colapso climático.» lia-se no Expresso na semana passada. Eu já tinha chegado a essa conclusão há vários anos, como aqui pude explicar numa crónica de 2015 e, desde então, venho tentando convencer as pessoas à minha volta a deixarem o vício carnívoro. Sem sucesso. Advogar contra a carne é como estar num daqueles sonhos em que se abre a boca mas não sai um único som, e nós a gritarmos com desespero sem que ninguém nos ouça até o sonho finalmente terminar. Infelizmente, o que vivemos hoje aproxima-se mais de um pesadelo e assobiar para o lado ou tentarmos arranjar argumentos para nos auto-convencermos de que não precisamos de mudar os nossos hábitos não vai fazer com que desapareça.


Deixar de comer carne, nomeadamente as chamadas carnes vermelhas (bovinos, suínos, caprinos e ovinos), pode parecer tão inútil como deixar de andar de carro, viajar menos de avião, desligar as luzes ou fazer máquinas apenas quando estão cheias. Uma insignificante gota num oceano de devastação global. Mas não é. Nesta luta contra o tempo, todos os gestos contam. Sendo que os gestos dos privilegiados dos países desenvolvidos contam mais.

Somos responsáveis por um estilo de vida suicida, que provoca a fome e pobreza extrema a uma enorme parte da população mundial. Achamo-nos no direito de consumir coisas que para os outros são luxos com os quais nem ousam sonhar. Temos água potável nos autoclismos. Comida pronta que se aquece num micro-ondas. Aparelhos electrónicos que substituímos assim que sai uma nova versão. E temos milhões de hectares de terras férteis a serem usadas para produzir cereais, não para alimentar os seres humanos que morrem à fome, mas sim as vaquinhas e os porquinhos que satisfazem a nossa Gula. Mais do que uma questão ecológica, esta é uma questão ética. Da próxima vez que se sentirem tentados a pedir um bife, lembrem-se que a pecuária é uma das principais causas do colapso climático, mas também do colapso na nossa humanidade.

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