
No rescaldo das comemorações dos 48 anos do 25 de Abril, deixo-vos duas excelentes reportagens sobre a iniciativa “48 anos, 48 mulheres”, da qual tive a honra de fazer parte. Nelas poderão também ver e ouvir o meu testemunho acerca daquilo que inspirou a minha frase e da responsabilidade que nós, os nascidos em liberdade, temos de não esquecer. Porque o mal surge sorrateiro, ocupando os espaços abertos pela indiferença, pela desresponsabilização cívica, pelo “egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano” de que falava Saramago no seu «Ensaio sobre a Cegueira». O mal alimenta-se do silêncio. Ergamos, pois, a nossa voz.
Lista das 48 frases:
1 – Adília Lopes
Sem liberdade não há felicidade.
2 – Ana Deus
Enquanto houver gente a dormir no chão é dia de revolução
3 – Rita Capucho
A minha boca é uma cidade
A minha boca é um país
Aqui, na minha boca, a liberdade
4 – Alice Neto de Sousa
Nas pétalas murchas de abril, no musgo, do tronco, do teu corpo, de mil
5 – Djaimilia Pereira de Almeida
Cuida da liberdade como do teu jardim
6 – Aline Frazão
Os poetas de outrora escreveram no chão a palavra LIBERDADE
7 – Rita Taborda Duarte
Um país a cem por sentimento respirado
Expira a opressão inspira a liberdade
8 – Raquel Gaspar Silva
Não quero a autonomia da grande máquina, com a complexidade mecânica. Quero a liberdade da rama despida, que faz brotar vida da seiva
9 – Gisela Casimiro
A Liberdade tem mais rostos que bandeiras, mais filhos que fronteiras.
A Liberdade é o direito sem avesso, a nossa respiração o vento que a guia através do medo para chegar à escolha.
10 – Regina Guimarães
Desde esse dia busco e acho companhia
Nos rostos irregulares, nas esquinas amigas
E até nas sombras que são mapas de cidade
11 – Isabela Figueiredo
É trágico que um povo se transforme em rebanho e não saiba viver sem pastor nem cães de guarda. Até o gado resiste à prisão e ao matadouro.
12 – Patrícia Portela
Num dia improvável, mas possível e inevitável, todos decidiram não sair de casa. O mundo parou.
Peço-vos que gravem 20 segundos do vosso silêncio, aqui, enquanto pensam neste momento memorável de uma ideia de greve do mundo.
13 – Golgona Anghel
Entre Bastilha e Baunilha,
contra os retratos de família,
a revolução nasce de um sonho,
assim como os povos nascem do pó.
14 – Rosa Oliveira
25//22
no momento em que a europa estremece
olhamos a balança de pratos suspensos no 48
e prosseguimos a ode infinita:
hoje é a noite certa para a vida
15 – Margarida Vale de Gato
porque a liberdade é uma ocupação coletiva
um cravo a clarear no aço o verso de um exército
para acordar no fundo um trato liso com o mundo
16 – Luísa Sobral
Tape o deus não Deus o que ele quiser
E eu grito mesmo que rouca
Que debaixo da roupa
serei sempre uma mulher.
17 – Amélia Muge
Que as palavras da liberdade se soltem pelas avenidas, os largos, as calçadas.
Deixem-nas voar sobre as memórias, os cais, os muros.
Que sejam estrelas de novas galácticas de honrar a vida, no coração do futuro.
18 – Inês Pedrosa
O país encolhera na máquina de lavar da revolução; depois entrara para a escola da Europa decidido a vencer como prestidigitador, com os bolsos rotos a abarrotar de pombas que ninguém podia adivinhar de onde vinham.
19 – Ana Paula Inácio
Sobre o peito
Seja o cravo apenas
Flor
20 – Filipa Fonseca Silva
O mal alimenta-se do silêncio.
Ergamos, pois, a nossa voz.
21 – Mafalda Veiga
É preciso ir mais longe
em risco infinitamente terno de futuro.
22 – Dulce Maria Cardoso
Liberdade, quero a prisão dos teus braços.
23 – Beatriz Hierro Lopes
A Liberdade é roubar a vida à morte.
24 – Francisca Camelo
gente sem voz
não se cansa de gritar
25 – Maria do Rosário Pedreira
Nessa manhã, as gargalhadas
ainda tinham sangue.
26 – Ana Marques Gastão
Liberdade é o infinito sem interrupção.
27 – Filipa Martins
As aves são capazes de emitir quarenta e cinco notas por segundo. Apanhamos uma pomba e oferecem-nos uma orquestra.
28 – Isabel Rio Novo
Abril foi o dia inteiro em que as mulheres puderam deixar de ser metades e de viver pela metade.
29 – Lídia Jorge
Mas um dia, este dia, será o dia do idílio.
Os rapazes ainda não desistiram de soltar os braços dos escravos.
E os escravos ainda não renegaram a cor dos cravos.
Ainda estamos no princípio desse dia.
30 – Maria Teresa Horta
Mulheres de Abril
somos
mãos unidas
31 – Ana Margarida Carvalho
Faltam doze segundos para o longuíssimo primeiro minuto da nossa existência
Valeu a pena?
Tuas marcas na areia, dobras, rastros, lastros, células mortas, átomos desintegrados, entulho, restos
de beira-mar, carcaças de insectos incinerados, relógios sem ponteiros de Dali, santos anónimos e
nos interstícios da calçada sementes de cravos vermelhos, asas de pombos desviados
dentro de ti, ó cidade.
O Largo do Carmo já foi o centro do mundo.
Valeram apenas.
E havemos de lá chegar.
32 – Telma Tvon
Nunca foi palavra
Sempre sentimento que é movimento
Já nasceu sentimento
Liberdade é o movimento
Tempos do lutar que acolhem fragmentos
Tempos do poder que jogam constrangimentos
Nunca brisa, toda ela é vendaval
Liberdade é o momento
33 – Aldina Duarte
ABRIL, ALEGRIAS MIL
O sorriso sem razão
A flor depois do adeus
O beijo enlaçado, a liturgia da rua
A eternidade ferve em poucas palavras
No calendário eterno de um só mês:
25 de Abril sempre!
34 – Luísa Costa Gomes
O QUE EU QUERO É ESCREVER O TEU NOME NA PAREDE
NA OUTRA PAREDE NA FOLHA DA JANELA NO PÉ DO CANDEEIRO
NO PASSEIO NA OMBREIRA NA PORTA NO CORRIMÃO NOS DEGRAUS
POR DEGRAUS POR ELE ENTRAR ENTRAR POR ELE EM CASA
35 – Ana Luísa Amaral
E encostada à música, essa palavra nova nascerá:
rota dos olhos que não viram nada,
mas com peixes ao fundo, multiformes,
a voz sem palco e tudo a acontecer —
como primeira vez —
36 – Manuella Bezerra de Melo
Bilhete à Sophia
De onde submergimos ao ruir das trombetas
e cavamos os túneis rumo à aurora dos tempos
converteremos a madrugada que esperamos
em eternidade deste abril refeito no agora
37 – Patrícia Reis
Liberdade, disseste tu. E eu calei-me a medo porque o medo era ainda senhor. Liberdade, insististe. Pegaste na minha mão e tiraste-me o medo. Liberdade, digo-te todos os nossos dias.
38 – Tatiana Faia
Democracia:
Qualquer dia inicial, inteiro e limpo
Em que continuemos a entender que a febre de poder e a loucura da destruição
Não valem a mais anónima vida da mais mínima das criaturas
39 – Paola D’Agostino
CASA COM VISTA PARA
A FELICIDADE COLECTIVA
PROCURA-SE
40 – Rosa Alice Branco
25 DE ABRIL: A IGNIÇÃO DOS CRAVOS
Abril é a ignição firme de um rumo urgente
em cravos de assombro para a liberdade.
41 – Marta Chaves
Nem numa gaiola,
quanto mais numa gaiola dentro de uma casa,
um pássaro.
42 – Raquel Nobre Guerra
Ó magnéticos lábios do absoluto!
respirar sem medo, beijar a fundo
uma vida livre não entra na morte.
43 – A garota não
Que venha quem vier por bem
mas não se trate com desdém
quem tratou deste lugar
44 – Inês Fonseca Santos
Meu querido 25 de Abril,
vem-te de novo de pau feito, por favor,
e de épico tesão dá cabo disto.
45 – Cláudia R. Sampaio
Vem ciclónica essa luz que te vai mordendo o rosto
Agita-te, descalça-te de sossego, pois que já o sabias:
Nenhum dia será teu sem liberdade
46 – Raquel Lima
liberdade sem religião, nem cura nem terço, sem abrigo
liberdade de abraçar os demónios mais cruéis
porque o segredo da liberdade é deixá-los passar por aqui.
47 – Capicua
Liberdade
Uma caneta na mão e os pássaros todos a voar
Boca cheia, de verbo e de vontade
(E mulheres que dançam até ao amanhecer).
48 – Filipa Leal
ARRANJAR MORANGOS EM ABRIL
Sabe bem poder sujar as mãos
de coisas limpas,