Porque o Mindfulness não serve os artistas

Uma das principais premissas do Mindfulness, terminologia contemporânea para ensinamentos do Yoga e do Budismo com mais de seis mil anos, é que devemos viver plenamente o presente. O argumento é que não existe mais nada: o ontem já aconteceu e o amanhã ainda não chegou. Se não podemos mudar o passado e não sabemos o que nos reserva o futuro, parece apenas lógico que nos concentremos no que existe aqui e agora, votando a nossa atenção plena a cada momento. Esta filosofia tem vantagens óbvias no controlo da ansiedade e na fruição de cada dia. Ao recusarmo-nos a regressar ao passado e ao parar de fazer conjecturas sobre o futuro, conseguimos desfrutar do que cada dia nos dá e tirar de cima dos ombros o peso do arrependimento, da culpa, das expectativas e do desconhecido.

No entanto, a tarefa torna-se tanto mais complicada quanto mais criativas são as mentes. É que uma mente criativa vive precisamente do sonho, da elaboração de cenários, da exploração de caminhos desconhecidos. E sonhar é, em si só, criar expectativas. Uma mente criativa desenvolve-se das horas passadas a aprender com o passado e a projectar o futuro. Alimenta-se de insónias e beneficia de vozes imaginárias em constante rebuliço. Quando se pede a uma mente criativa que feche os olhos e se concentre apenas na respiração ou numa imagem mental, surgem cascatas de ideias, muitas delas demasiado boas para não serem imediatamente apontadas. Deixem os pensamentos passarem como nuvens no céu? Não me parece.

O Mindfullness ensina-nos que devemos aceitar o que não podemos mudar. Porém, para continuarmos a evoluir, seja na ciência, na arte ou na economia, precisamos de quem faça precisamente o contrário. Como disse Fernando Pessoa, «o homem sonha, a obra nasce». O Mindfullness ensina-nos a apenas “ser”, mas uma mente criativa precisa de “fazer”. Não admira que os artistas, tenham fama de loucos e muitos enlouqueçam de verdade. Suponho que para evitá-lo, precisem de aprender a quietar a mente, mas não demasiado. Viver num periclitante equilíbrio entre o “agora” e o “sonho”, saltando intermitentemente entre os dois.

3 opiniões sobre “Porque o Mindfulness não serve os artistas

  1. Excelente texto!
    É exactamente assim, mentes inquietas e criativas não conseguem parar e dormir é uma tortura!
    Mindfulness é perfeito para ter mais e ideias e não conseguir parar, aumentando a ansiedade… 🙂

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