Querida Apple,
Quero o meu marido de volta.
Não é nada pessoal, juro. Sou uma verdadeira fã dos teus produtos e o sonho do teu departamento de vendas. Senão repara: tenho um iPhone, um iPad, um MacBook, um iPod shuffle e até um Mini iPod dos primeiríssimos, que já não funciona, coitadinho, mas que fez maravilhas nos seus tempos áureos. Uso-os diariamente, confesso, mas ainda assim consigo resistir à tentação de os ligar a cada minuto livre do dia. Por exemplo, sou daquelas pessoas que ainda consegue sentar-se no sofá e pegar num livro ou numa revista. Mais: sou daquelas pessoas que consegue não tirar o iPhone da mala quando chego a qualquer lado. E se ouvir lá ao longe, abafado pelo tecido e pela distância, um aviso de mensagem ou email novo, sou mesmo capaz de ignorá-lo, imagina só.
No entanto, o meu marido não. Até no carro, enquanto conduz, se o iPhone o alerta para nova mensagem, tem de espreitar imediatamente para o visor. Como se não houvesse outra opção. Como se fosse o responsável por uma central nuclear que tem de estar alerta 24h por dia. Em casa, à mesa de jantar, lá está o iPhone pousado ao lado do guardanapo como se fizesse parte do conjunto. À noite, quando volto para a sala depois de adormecer o nosso filho, lá está ele estendido no sofá com o seu iPad. E mesmo nos momentos de lazer, com amigos ou em família, lá vem o estúpido do aparelho intrometer-se na cena para mostrar um vídeo do YouTube ou uma imagem com mil likes no Facebook ou, simplesmente, para capturar esse instante, como se a memória já não servisse para nada.
E se fosse só o meu marido…
São também os meus irmãos, amigos e até o meu pai. Actualmente a sociedade ocidentalizada sofre de uma autêntica epidemia de agarrados ao “i”. Nas salas de espera, nos transportes públicos, nos bancos de jardim, no intervalo do cinema ou de um jogo de futebol, à mesa, esteja quem estiver, ninguém tem pudor de sacar do seu aparelho e brincar. Mas sempre com um ar de que está a tratar de um assunto importantíssimo. Tão importante que se sobrepõe a todas as regras de educação e convivência com outros seres humanos.
Voltanto ao meu marido. O que me levou a escrever-te esta carta foi o facto de considerar que representas uma ameaça desleal. Não jogamos com as mesmas armas. Se fosses uma mulher, mesmo uma Giselle, eu saberia como agir. Em última instância, far-te-ia uma espera, uma peixeirada digna de um romance de cordel, que isto quando mexem com os meus acaba-se a diplomacia. Mas não és. És uma empresa. És uma máquina. És uma fábrica de objectos desejáveis e enfeitiçadores.
Assim sendo, querida Apple, para bem do meu e de milhares de casamentos resta-me pedir-te que tenhas piedade de nós. Que cries, por exemplo, uma App que envie um sinal para estes cérebros viciados de modo a que, em ocasiões sociais e familiares, o aparelho seja ignorado. Ficávamos todos a ganhar: tu continuavas a ser uma marca cool e inovadora, vendendo mais dos teus inúmeros produtos e suas novas versões anuais; nós, seres humanos outrora sociáveis, voltaríamos a aprender a conversar, a discutir, a fazer coisas arcaicas como jogar às cartas ou jogos de tabuleiro. Uns com os outros. Olhos nos olhos. E seriamos todos, os teus accionistas incluídos, felizes para sempre.
Pensa nisso… Mas lembra-te que, em todas as versões, a bruxa que oferece a maça envenenada, morre no fim.
Com os melhores cumprimentos,
Filipa Fonseca Silva
© Filipa Silva
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