Nunca gostei de matemática. Tudo o que ia para lá das operações básicas provocava-me um novelo no cérebro, e nunca tive um professor que me conseguisse convencer da utilidade de aquilo que me estava a ensinar. Frações, potências, equações de vários graus, funções, raízes quadradas e os algarismos a parecerem-se com aranhas revoltosas, espalhando-se pelas folhas dos cadernos, as oito patas mexendo-se mecanicamente, os quatro olhos fitando-me com altivez. Porém, com a chegada à vida adulta, a minha aracnofobia numérica dissipou-se e os números vivem em cada gesto meu.
Começa assim que abro a torneira para tomar banho de manhã: abastecimento de 7,48, saneamento 3,99, resíduos urbanos 3,08, adicional 0,62, TaxasS 0,57, IVA 0,48, total 16,23€. Dezasseis vinte e três. Não posso ultrapassar este número. Xô, aranha, vai para trás. Desligo a água para me ensaboar, lavo as cuecas no banho. Subtraio peças a colocar na máquina. Só faço uma por semana.
Tomo o pequeno almoço com cuidado para não encher muito a chávena de leite, porque 6 litros têm de dar para o mês inteiro. 4,92. Apanho o 14, depois o barco depois o 748 com o passe cuja mensalidade é de 40 euros, mesmo nos meses em que há várias greves e interrupções do serviço. Resto fora, nada. Também conto as calorias que gasto a caminhar, as horas que consigo dormir, carneirinhos quando chegam as insónias.
Além da renda (500€ por um T0 na Verderena), há outras contas que não consigo anular: 14,99 para o telemóvel, o que até é barato tendo em conta que com ele posso fugir para dentro das vidas perfeitas de quem sigo; e 11,5 para a Netflix, que dividido por 30 dias é tão pouco para os conteúdos infinitos. O problema é que os aparelhos electrónicos consomem demasiada electricidade. Precisamente 25,85 por mês. Com isto já se foram 608,57€ e ainda nem fui ao supermercado.
Mas nesse departamento não há problema porque sou barra. À medida que coloco as compras no carrinho vou somando tudo na minha cabeça. E consigo ir multiplicando e dividindo ao mesmo tempo. Por exemplo, quando olho para o preço da lata de atum, multiplico logo por 4. Dá 3,56. Ou quando compro um frango inteiro do campo com miúdos, 8,48, divido logo pelo número de pratos que vou conseguir fazer com ele, precisamente 5, entre uma canja, as pernas assadas, o peito cozido e desfiado, as coxas com cebolada, os miúdos no arroz. O chocolate também é um bom exercício de divisão se contar os quadrados e comer apenas um por dia. Para não saber a pouco, por vezes estou 3 dias sem comer nenhum quadrado e assim, ao 4º dia, como uma fila inteira. Com pouco mais de 150 euros consigo comprar o cabaz do mês, e aproveito os 20€ em cartão para quando estou mais apertado. Se há a promoção do combustível, como não tenho carro, vou abastecer com um amigo que depois me dá o valor do desconto em numerário.
Os professores de matemática que me deram negativas haviam de me ver agora. Uma verdadeira máquina de calcular. Parece impossível, mas divirto-me a sério na caixa para ver o quão perto vou ficar da conta. Por vezes, quase que acerto ao cêntimo. Outras vezes, estou mesmo distraído, e a conta real ultrapassa o número que tinha na cabeça. Como hoje. Não é desta que levo as framboesas. Deixa lá. Como-as em casa da minha avó quando lá for.

Deixe um comentário