A culpa é de todos
Ainda estamos todos um bocado em estado de choque com o resultado das eleições, não é? Ninguém assume que votou no Chega, mas ali estão eles, com 48 deputados e a terceira maior bancada parlamentar. Em setembro de 2020 alertei para os perigos de os subestimar, num artigo que continua demasiado actual.
Agora procuram-se culpados para o embaraço de ter um grupo de populistas, xenófobos e machistas na nossa Assembleia, e logo no ano em que se comemoram 50 anos de democracia. Já ouvi de tudo. A minha preferida é que a culpa é do Passos. Aliás, também foi uma expressão muito usada na campanha por parte de uma esquerda que não consegue assumir que fez parte do Governo em seis dos últimos oito anos. Que não consegue assumir que a culpa da ascensão dos populismos é de todos os que estiveram em lugares de poder e não resolveram os problemas das pessoas, preferindo lutar apenas e só pela sua agenda ideológica. À esquerda e à direita.
Temos um problema com a imigração, sim, e com minorias que não se conseguem integrar na sociedade, e com pessoas que morrem à espera de uma consulta, e com outras que ganham miseravelmente, mas que arranjam três empregos para conseguirem colocar os filhos em colégios privados, porque a escola pública não tem professores, ou auxiliares, ou telhados, ou os três ao mesmo tempo. Temos um problema de falta de água, sim, mas o governo aprova mais hectares de agricultura superintensiva e, no tempo em que aprova uma dessalinizadora para todo o Algarve, Espanha já tem 19 a funcionar. Temos um problema de transportes e de centralização gravíssimo, sim, cuja resolução (de que se fala há anos sem fim) poderia permitir que as pessoas vivessem fora das duas grandes cidades, com mais qualidade de vida e sem terem de perder três horas do seu dia em deslocações. Temos um problema grave de perda de poder de compra, sim, que é mascarado com o mito das contas certas, que é exatamente a mesma coisa que austeridade, mas com um nome mais socialista. Acima de tudo, temos um problema de mediocridade de quem nos governa, mais preocupados com a sua imagem e perpetuação no poder do que em resolver estes e outros problemas que afectam directamente o dia-a-dia dos portugueses.
Neste ponto lembro-me sempre de Duarte Pacheco, Ministro das Obras Públicas e Comunicações, e mais tarde Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que em pouco mais de oito anos criou os Bairros Sociais (Alvalade, Encarnação, Madre de Deus, Ajuda), a autoestrada Lisboa-Estádio Nacional, com o Viaduto Duarte Pacheco, a Marginal Lisboa-Cascais, o Aeroporto de Lisboa, a Estação Marítima de Alcântara, a Fonte Monumental da Alameda, o Estádio Nacional, e inúmeros outros empreendimentos, portos, instalações industriais, infraestruturas agrícolas e de saneamento, centrais hidro-elétricas e florestação (Parque de Monsanto).
Mas, credo, é melhor não elogiar muito, porque fazia parte do regime e ainda me apelidam de fascista só por estar a dá-lo como exemplo de alguém que soube fazer e planear obras estruturantes, enquanto este governo nem melhorar a ferrovia conseguiu.
Porque é a isto que estamos resumidos, não é? Ideologia. E essa é a verdadeira culpada.
As pessoas estão cansadas e sem esperança. Não querem saber de esquerda nem de direita. Querem apenas ver indivíduos competentes a gerir o dinheiro dos seus impostos e a garantir o funcionamento das coisas mais básicas: saúde, educação, habitação e segurança. E estão a marimbar-se se o hospital é público ou privado, desde que funcione e tenha as urgências abertas depois da meia-noite. Quando chegamos a este ponto de cansaço, é muito fácil acreditar na banha da cobra.
O Chega ganhou nos locais onde as populações se sentem abandonadas, onde nada acontece e os políticos só aparecem para uma inauguração; nas faixas etárias jovens, que crescem a ouvir que o melhor é irem embora, pois por aqui só há miséria, salários baixos e a impossibilidade de sair de casa dos pais. Não há um milhão de populistas, xenófobos, machistas. Há um milhão de pessoas completamente fartas de já nem sequer poderem sonhar.

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