Ontem vi um filme que me deixou completamente boquiaberta e, admito, verdadeiramente emocionada. Um filme biográfico sobre Diana Nyad, uma mulher americana que, aos sessenta anos, decidiu concretizar o sonho da sua vida e nadar em águas abertas entre Havana e a Florida. Cento e oitenta quilómetros. Cinquenta e três horas seguidas a nadar, sem dormir, sem se apoiar em nenhuma bóia, barco ou corda, sem parar. Repito, cento e oitenta quilómetros.
A história começa quando Diana faz sessenta anos e se apercebe que vive uma vida sem emoção. Um género de epifania como a que teve a minha personagem Helena. O momento em que se pergunta “e se eu morrer amanhã”? Como serei recordada? O que terei alcançado? O que me distinguirá da mediocridade, da monotonia dos dias, do papel de senhora de sessenta anos acabada para a vida, sem nada mais para dar ao mundo ou a si própria? Passaram trinta e dois anos da sua primeira tentativa frustrada de alcançar este feito inédito, por ser, aparentemente, impossível. Mas Diana quer voltar a tentar. Para ela nada acabou e não vai desistir do seu sonho, nem permitir que os outros lhe digam como deve viver, como se deve comportar.
É difícil escrever sobre isto sem revelar o desfecho, pelo que alerto os leitores que queiram ver o filme sem saber como acaba que parem de ler aqui.
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Aliás, é difícil escrever sobre isto sem espanto, sem me questionar como é que é preciso um filme de Hollywood para que o mundo conheça esta história. Aos 64 anos, na sua quinta tentativa, Diana consegue aquilo que nunca mais ninguém conseguiu. Cento e oitenta quilómetros. Cinquenta e três horas a nadar sem parar. Num mar cheio de tubarões, medusas mortíferas, correntes malucas. Engolindo água salgada, alimentada por um tubo a cada 90 minutos, a ter vómitos e alucinações.
Ora eu sou uma pessoa bastante familiarizada com aquilo que se chama “desportos extremos”. O meu marido é obcecado por estes atletas que superam tudo aquilo que consideramos humanamente possível, histórias inacreditáveis de superação, exemplos emocionantes do poder da mente sobre o corpo. Já vi dezenas de filmes e documentários sobre os homens das ultra-maratonas, os alpinistas sem cordas, os surfistas de ondas gigantes, mas acreditem quando vos digo que nunca vi nada como o que a Diana fez.
E a pergunta que me coloco e que o meu marido também me colocou a meio do filme foi: como é que nunca tínhamos ouvido falar desta mulher? E sim, ela foi aos programas da Oprah, da Ellen e tantos outros nos Estados Unidos, dá conferências no TED e em universidades, mas o nome dela deveria ser tão conhecido como o do Pelé. O que ela fez coloca-a no Olimpo dos grandes atletas da história, não como ninfa dos mares, que é o que o seu apelido significa, mas como Deusa, assim mesmo, com maiúscula. Eu acho que a única razão pela qual existe este desconhecimento é só uma: o feito foi alcançado por uma mulher com mais de sessenta anos e, como se sabe, as mulheres com mais de sessenta anos são invisíveis na nossa sociedade. Não são patrocinadas pelas Adidas e pelas Nike da vida, não servem para pousar em capas de revistas, nem para vender cosméticos, refrigerantes ou seja o que for, porque ninguém quer saber o que uma mulher com mais de sessenta anos veste, come ou faz.
Aliás, fui procurá-la no Instagram e vi que tem apenas cinquenta mil seguidores, o que, num universo de 332 milhões de norte-americanos é quase nada. Também descobri que o seu feito foi desacreditado pelo Guiness e pela Associação Americana de Natação em Águas Abertas, porque Diana não seguiu as burocracias devidas e não pediu permissão a ninguém para fazer o que fez, limitando-se a seguir as regras usadas para a travessia do Canal da Mancha, o que, aparentemente não servia. Há até quem diga que não podia ter vestido o fato de protecção contra medusas mortíferas. Como se atreve? Uma mulher, daquela idade, a ir contra as regras?
Ao ter conhecimento da história de Diana, brilhantemente contada pela dupla Jimmy Chin, Elizabeth Chai Vasarhelyi, escrito por Julia Cox e interpretado pelas inigualáveis Annette Bening e Jodie Foster, fiquei emocionada e também um bocadinho orgulhosa por ter decidido dar vida à minha Helena. Porque as mulheres mais velhas são maravilhosas e têm tanto, mas tanto para nos ensinar. Cabe-nos dar-lhes espaço e, sobretudo, dar-lhes voz.
Para terminar, e antes que os meus olhos se encham de lágrimas outra vez, queria apenas deixar-vos com duas das frases que Diana Nyad disse quando pisou terra firme nas Florida Keys, a 2 de Setembro de 2013:
1) nunca, mas nunca desistam
2) nunca somos demasiado velhos para perseguir os nossos sonhos
Obrigada, Diana. És a verdadeira inspiração.

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