Ao folhear revistas ou álbuns muito antigos, uma das coisas que mais me surpreende é a forma como as pessoas se vestiam: as senhoras sempre de saia ou vestido, lábios pintados e cabelo arranjado, os homens de casaco e, invariavelmente, de chapéu. Ainda há velhotes que fazem questão de manter esse brio na escolha da indumentária, pois no seu tempo, e até às últimas décadas do século XX, sair à rua, mesmo que fosse por breves instantes, implicava um certo esmero com o visual. E se estivéssemos perante uma ida ao teatro ou a um bom restaurante, esse esmero aumentava ainda mais. Ninguém se atrevia a ir a um espetáculo de qualquer maneira. Era até considerada uma falta de educação.
Depois chegou a revolução cultural dos anos 60, o espírito hippie de ir contra as regras e lutar pela liberdade, incluindo a de vestir o que se quisesse. As mulheres soltaram os cabelos e largaram os vestidos, os homens livraram-se das gravatas e dos chapéus e a moda sofreu uma volta de 180 graus. Nas décadas seguintes, a fronteira inequívoca entre roupa formal e roupa de trabalho começa a esbater-se e, fosse qual fosse a ocasião, a aposta ia para um estilo mais descontraído e informal. Ninguém queria andar apertado, espartilhado, engravatado, embonecado. A roupa de desporto saiu à rua e todos se congratularam por poderem usar peças mais leves e confortáveis, graças também ao advento do poliéster. Ainda assim, continuou a haver um certo cuidado na maneira como alguém se apresentava em determinadas situações. Mesmo se olharmos para o início do século XXI, era impensável entrar na discoteca da moda de ténis ou ir trabalhar de fato de treino, a não ser que trabalhasse num ginásio. A um funeral ia-se de preto, a um casamento levava-se gravata. Ponto assente.
Entrados na terceira década do século XXI, porém, isso deixou de acontecer. Agora é comum ver-se homens de ténis em casamentos e mulheres de calções curtos em funerais. Já ninguém muda de roupa para ir ao teatro e o vestido comprido é algo que só se encontra numa passerelle. Há até quem saia de casa literalmente de pijama sem estar a fugir de um incêndio! Na era do «eu» o argumento para a falta de formalismo é sempre o mesmo: «quero lá saber». Inventam-se nomes para o fenómeno, de “casual style” a “street smart”, e defende-se que cada um deve expressar a sua identidade livremente, colocando sempre o conforto acima do estilo. Mas por muito que o estilo informal tenha contribuído para a democratização da moda e até para causas importantíssimas como a emancipação feminina e o respeito pelos diferentes géneros, até onde poderá ir essa informalidade? Que linha separa o “informal” de o “vestir-se de qualquer maneira”?
Quer queiramos admitir quer não, vestir não serve apenas para cobrir o corpo. É um acto político e social. Durante séculos o que vestíamos foi um espelho da nossa classe, etnia, origem e até da religião. Hoje talvez já não seja, o que é algo positivo, mas até quem faz questão de não seguir nenhuma moda ou a considera uma futilidade está a tomar uma posição. Por mais que queiramos esbater preconceitos e advogar pelos estilos fluídos e multiculturais, por mais desprendidos que sejamos em relação ao que está na moda e ao que os outros pensam, a maneira como nos apresentamos tem impacto na forma como interagem connosco. O que, por conseguinte tem impacto na nossa própria auto-estima. Daí a importância de não menosprezar os códigos de vestuário ou dress code.
Há códigos de vestuário explícitos, como os que aparecem nos convites para um evento, mas também há os implícitos, que dependem do bom-senso de cada um. Aquilo que nos indica que não devemos ir de calças rasgadas para uma entrevista de emprego ou de ténis para o casamento do nosso melhor amigo, só porque um rapper famoso desfilou assim na passadeira vermelha. Se o fizermos não estamos a ser cool nem casual. Estamos apenas a ser desrespeitosos. Mesmo que sejamos adeptos de um estilo descontraído, o desprezo pelos códigos não é libertador. É, sim, revelador de uma certa falta de noção.

texto para a revista Lisbon Unique, junho 2023
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