Aprender a estar feliz

Há séculos que se vem construindo a ideia de felicidade como objectivo último e obrigatório. Estado da alma virtuosa, caminho único para atingir a bondade e a realização pessoal. Não há quem não diga que “só quer ser feliz”, enumerando então uma lista de coisas (da saúde, à riqueza, do sucesso ao amor) que, uma vez atingidas, lhe abrirá a porta desse tão ambicionado desígnio. Impomos a felicidade como meta para nós próprios mas também para os outros. Quando um amigo nos confidencia um problema conjugal, questionamos “és feliz?”. Quando perguntam o que queremos para os nossos filhos, resposta é “que sejam felizes”. E pumba! Desde tenra idade, dos nossos pais aos nossos amigos, dos anúncios publicitários aos livros de auto-ajuda, tudo e todos nos pressionam para seguir essa demanda como se fosse o verdadeiro sentido da vida.

Porém, a felicidade como um fim em si mesmo não existe. É uma construção literária, cinematográfica, poética. Um conceito filosófico inatingível, que apenas faz com que tenhamos uma sensação vazio ou de estar a falhar. Aliás, o verbo “ser”, aplicado à felicidade (ou, já agora, a qualquer outra emoção), é desde logo enganador. Ninguém “é” feliz. Como ninguém “é” triste ou deprimido ou irritado. Apenas podemos “estar” felizes ou tristes ou deprimidos ou irritados. “Estar”.  Em determinado momento, com determinadas pessoas, num determinado dia. Podemos ser altos ou baixos, introvertidos ou extrovertidos, relaxados ou agitados, mas felizes é que não.

Talvez o problema venha da tradução do inglês, uma vez que o verbo “to be” tanto significa “ser” como “estar”. Ouvimos demasiadas vezes frases como “I’m so happy” “, traduzindo-as para um “sou tão feliz”, quando devíamos entender um “estou tão feliz”. A própria ambiguidade deste verbo deve confundir os nativos da língua inglesa, digo eu. Ou talvez venha do próprio Dicionário da Língua Portuguesa, que define felicidade como “estado de quem é feliz” (Porto Editora, 2011). Venha de onde vier, trata-se de uma ambição irrealista e, se pensarmos bem, extremamente aborrecida. Quem gostaria de ser feliz o tempo inteiro? Acordar feliz, ir trabalhar feliz, andar no trânsito feliz, chegar a casa feliz. Parece-me ligeiramente apatetado e imensamente monótono andar por aí com um enorme sorriso e uma inabalável vontade de abraçar o mundo inteiro todo o dia, todos os dias. Menos por favor.

Portanto, dizer que queremos ser felizes é o mesmo que dizer que queremos voar: não vai acontecer. Contentemo-nos, então, em “estar” felizes em alguns momentos. Do dia, do ano, da vida. Naquela manhã em que fomos acordados com um beijo, naquele pôr-do-sol de mãos dadas, naquele abraço, naquele instante em que nos deram uma boa notícia, ou em que rimos até nos doer a barriga, em que soprámos as velas, em que brindámos com amigos, em que chapinhámos como crianças à beira-mar. Sejamos colecionadores desses minúsculos momentos, quer sejam diários, quer pareçam escassear. Apreciemo-los como pequenas dádivas, guardadas num recipiente imaginário ao qual podemos aceder pela memória sempre que precisarmos. E, no resto do tempo, sejamos apenas nós próprios, adjectivados. Até porque felicidade é um nome.

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