Cuidado com as companhias

Até há uns anos, a grande preocupação dos pais de adolescentes no que toca a influências nefastas na vida dos filhos era o grupo de amigos. Quer fosse por intuição parental, quer fosse por conhecimento empírico, descobriam sempre um colega de escola ou amigo de bairro que não era flor que se cheirasse, e com quem o convívio deveria ser evitado ao máximo. Para alguns pais, mais déspotas, a solução era proibir a amizade e cortar logo o mal pela raiz, o que, como sabemos, por vezes fazia com que a amizade se tornasse ainda mais forte. Para outros, mais sensatos, a estratégia era de aconselhamento pedagógico, que muitas vezes passava por semear um certo medo, através de histórias de jovens que se tornaram sem-abrigo ou foram presos, No caso da minha geração, incluía o incentivo ao visionamento de um filme alemão baseado numa história real, de seu título «Christiane F.», ou como fumar um charro nos pode levar para uma vida de toxicodependência e prostituição juvenil.

A verdade é que, como quase sempre, os pais tinham razão: durante a adolescência, os amigos próximos influenciam a construção dos nossos gostos, da nossa identidade, das nossas ideologias. Superando os pais ou os professores, são os pares que os adolescentes mais ouvem, copiam, admiram e, por isso, sim, é preciso ter cuidado com as companhias.

Só que os pais de adolescentes de hoje vivem uma dramática mudança de paradigma. Nos anos 20 do século XXI, os nossos filhos já não estão a ser formados apenas pelos valores que lhes transmitimos em casa, pelo conhecimento que adquirem na escola, e pela enorme influência dos amigos. Agora, há um novo eixo, ainda mais poderoso:  as redes sociais.

Para além do comprovado efeito nefasto que as redes sociais têm no desenvolvimento dos seus cérebros imaturos, quando navegam nos seus telefones, os nossos filhos já não estão apenas a seguir os amigos, os influenciadores ou os ídolos desportivos e musicais. Estão a ser constantemente manipulados por algoritmos desenhados por duas ou três empresas que controlam toda a indústria. Algoritmos que não são transparentes e que estão a ditar as tendências de consumo, mas sobretudo as tendências ideológicas. É flagrante, para quem tem ou convive com adolescentes, a viragem para um conservadorismo bacoco que julgávamos ultrapassado, para um discurso cada vez mais individualista, para um piscar de olho a ideologias extremistas.

Alguns, ingenuamente, poderão achar que ser do contra faz parte da essência de ser adolescente. E se os pais, os professores, as instituições são mais liberais, permissivos e tolerantes, então, os adolescentes vão afastar-se deliberadamente dessas posições. Só que isso não explica que rapazes que ainda não podem votar digam que há demasiados imigrantes, ou que é preciso defender o país, ou que as raparigas não devem sair à noite sozinhas. E que as raparigas prefiram ficar caladas e não mostrar que são feministas para não serem gozadas pelos rapazes.

Exemplo concreto da manipulação deliberada de adolescentes: quando há uns meses publiquei um célebre vídeo anti-Prozis nas minhas redes sociais, não imaginava que se tornasse viral. Achei que, como a maioria dos meus vídeos, teria uns milhares de visualizações, umas dezenas de comentários dos meus seguidores, e a coisa morreria pouco depois. No entanto, umas horas após a publicação, vi que tinha centenas de milhares de visualizações, partilhas e comentários. O meu marido e o meu filho de 13 anos pegaram então nos seus respectivos aparelhos e entraram no TikTok, cada um na sua conta, para testemunhar o fenómeno.  E agora é que vem a parte assustadora: quando o meu marido abriu a caixa de comentários do vídeo, apareceram-lhe primeiro apenas coisas positivas, solidárias com a minha iniciativa, emojis de corações e palmas; quando o meu filho, no mesmo segundo, abriu a dita caixa, apareceram-lhe primeiro apenas comentários de ódio, que incluíam coisas como «sua lésbica de esquerda», «assassina de bebés», «cuidado quando andares na rua». Ou seja, o algoritmo escolheu mostrar a um rapaz de 13 anos este tipo de comentários extremistas, alinhados com a ideologia incell que prolifera nas redes para esta faixa etária.

Ao publicar esse vídeo, subestimei o poder do algoritmo para encontrar conteúdos que gerem a maior polémica possível. Mas com ele descobri que andamos todos a subestimar o poder do algoritmo para formatar as mentes mais distraídas, impreparadas ou, simplesmente, imaturas. Esta evidência aliada à introdução desregulada da Inteligência Artificial, que cria perfis de pessoas que não existem, vídeos cada vez mais difíceis de identificar como falsos, que clona vozes e imagens sem consentimento, é a receita perfeita para o desastre absoluto das nossas sociedades e das nossas democracias.

É imperativo alertar todas as pessoas para esta realidade, mas é urgente fazê-lo em relação aos menores de idade. Tem de haver mais regulação e transparência na actuação destas empresas nos diversos mercados, bem como uma maior consciencialização dos miúdos para os perigos e ameaças reais do mundo virtual.

E para aqueles que acham que os pais é que são responsáveis por os seus filhos terem telefones e redes sociais, vou dar-vos notícias chocantes. Há pais que não deixam os filhos terem redes sociais,  mas eles têm em segredo. Há pais que não deixam os filhos levar o telefone para a escola, mas eles usam os dos amigos. Há pais que não deixam os filhos ver certas séries ou filmes violentos em casa, mas eles acedem a conteúdos doentios, até em plataformas supostamente inócuas como o Youtube. Há pais que infantilizam os filhos, enquanto eles andam a ver pornografia. E, spoiler alert, não é preciso ter telefone para aceder às redes sociais ou a qualquer destes conteúdos. Podem fazê-lo através de um mero browser.

Ou seja, isto deixou de ser uma discussão sobre os efeitos da dopamina no desenvolvimento cerebral, alienação ou ciberbullying. As más companhias, hoje, já não são os miúdos rebeldes que faltam às aulas e fumam charros atrás do pavilhão, mas sim os conteúdos a que os nossos filhos acedem livremente na escola, no quarto, ao nosso lado no sofá, e que estão a ser magistralmente manipulados e utilizados por quem sabe que as mentiras proliferam mais depressa do que as verdades, que a polémica viraliza mais do que empatia, e que o barulho é o antídoto do conhecimento.

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