Tomei uma decisão para 2025: ver menos notícias. O que não significa estar menos informada, mas antes saber procurar o que é realmente importante, e calar as vozes que só fazem barulho. É que, nos dias que correm, parece que todos andam exaltados, irritados, impacientes, e sobretudo intolerantes. Parece que só há duas posições antagónicas qualquer que seja o assunto, dois lados cada vez mais distantes, e que não temos outra opção que não seja escolher um deles, permanecendo, firmes e irreductíveis, na nossa posição.
Perdeu-se a noção de decoro, a educação, a sensibilidade. Tudo pode ser verbalizado sem direito a resposta, a defesa, ou aos vários tons de cinzento que existem entre o branco e o preto. Os pensamentos que a todos, de quando em vez, perpassam a mente, por vezes embaraçosos ou incorrectos, são agora vomitados na praça pública globalizada. E, atenção: ninguém é santo. Todos nós já pensámos, ou chegámos a comentar num sussurro com alguém muito próximo, coisas feias acerca de outras pessoas: a boazona que de certeza trai o marido; o sem-abrigo que de certeza é drogado; o cigano que de certeza é ladrão, o condutor do Porshe que de certeza é um pato-bravo trafulha. O problema é que, agora, estas coisas são ditas bem alto, eternizadas e amplificadas nas redes sociais, sem o mínimo pudor pelos danos que possam infligir.
Mas será que, de um dia para o outro, tornámo-nos todos uns energúmenos? Desaprendemos as regras mais básicas da educação e da civilidade? Não creio. O que aconteceu foi que surgiram os movimentos populistas e figuras boçais como Trump, Bolsonaro e outros que tais. Sempre houve políticos agressivos, e sempre houve discussões demasiado acesas nos parlamentos, nas campanhas eleitorais, nos debates televisivos. Basta ler «As Farpas» para nos darmos conta de inúmeros episódios com mais de cem anos que deixam muito a desejar no que toca a civismo. Ainda assim, independentemente da época ou situação política, as instituições eram olhadas com algum respeito. Mesmo sabendo que há políticos corruptos ou juízes mal-intencionados, sempre houve algum pudor na maneira como nos dirigíamos a quem exercia determinadas posições, enquanto, quem estava nessas posições, tentava, no mínimo, aparentar respeitar o seu cargo, e comportar-se de acordo com o mesmo. Porém, as figuras surgidas nos últimos dez anos, e que tão bem têm sabido aproveitar-se da desinformação que as redes sociais permitem disseminar, fizeram-nos regredir para o nível zero. A partir do momento em que um candidato ao que quer que seja, mente descaradamente, ofende ostensivamente e apela a que quem o segue faça o mesmo, entrámos num ponto sem retorno. Quando o presidente de uma das maiores potências mundiais procede como um javardo depois de uma noite inteira a beber aguardente na taberna, ameaça, humilha e, ainda assim, é reeleito e ovacionado, a porta fica escancarada para todos os que o queiram imitar, como se tem visto também no nosso país.
Há quem acredite que aquilo que estes indivíduos (seria um elogio chamar-lhes líderes) fazem e dizem é encenado; que encarnam uma personagem para conquistar os ignorantes, os desprezados, os descontentes; que, no fundo, são pessoas inteligentes, e, metade do que dizem, é apenas para conquistar votos, não tendo intenção de levar a cabo medidas extremistas, discriminatórias ou, no caso do ambiente, verdadeiramente suicidas. Discordo completamente. Quem nisso acredita esquece-se de que os discursos, os preconceitos, as ofensas gratuitas que estes seres proferem, legitimam quem os vê, quem os ouve, quem os segue. Esse é o cerne da questão. Estamos a ficar mais incivilizados porque a boçalidade nos entra todos os dias, a toda a hora, pela televisão e pelo telemóvel adentro. Se um presidente pode chamar vigarista a um opositor, gozar com a sua voz, cor, maneira de vestir, então eu também posso. Se um deputado em plena assembleia, na presença de câmaras e centenas de testemunhas, pode chamar anormal ou aberração a uma pessoa com deficiência, então eu também posso. A impunidade absoluta do discurso de ódio, do bullying e da humilhação pública valida esses comportamentos nas esferas mais privadas, no dia-a-dia, no trânsito, na escola, em qualquer lugar. E depois, temos os Media, que em vez de diminuírem o tempo de antena desta gente, amplificam, esmiúçam e perpetuam os acontecimentos, em nome de uma verdade cada vez mais refém de clicks, de anunciantes, de audiências.
A questão que se impõe é: como sobreviver na era da boçalidade? Isolamo-nos? Desligamo-nos? Revoltamo-nos? A resposta é a mesma que defendo para tantos outros problemas que enfrentamos enquanto sociedade: educar. Educar as pessoas para a empatia, para o conhecimento, para a abertura aos tais vários tons de cinzento, pois só eles podem dar profundidade, dimensão e perspetiva a qualquer questão.

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