À medida que avançamos no século XXI, surgem novos desafios para a sociedade como a conhecemos, muitos dos quais relacionados com a sobrevivência num planeta com cada vez mais pessoas e cada vez menos recursos. Na última década, as inovações tecnológicas em diversas indústrias com vista à sua sustentabilidade têm sido imensas, mas numa delas avizinha-se uma verdadeira revolução. Falamos da indústria têxtil e, consequentemente, da Moda, a segunda mais poluente nos dias que correm, apenas atrás da petroquímica.
A Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, diz que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados nos últimos anos. E a projeção é de um aumento de 60%, ou mais de 140 milhões de toneladas nos próximos oito anos. De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente os portugueses deitam, por ano, 200 mil toneladas de têxteis para o lixo, entre roupa que já não serve e restos de tecido de corte ou peças com defeito da indústria têxtil. Muitas destas toneladas são incineradas, com consequências ambientais devastadoras. Outras são colocadas em contentores de reciclagem que muitas vezes não chegam a ser reciclados, acabando nas grandes lixeiras de roupa do mundo no Chile ou no Gana, por exemplo, sendo que a decomposição de roupas pode levar centenas de anos quando feitas de fibras sintéticas, com os componentes químicos a contaminarem o solo e a água.
Em maio de 2023, a União Europeia aprovou uma nova lei que proíbe a indústria têxtil de destruir produtos têxteis, tornando a reutilização ou a reciclagem obrigatórias a partir de 31 de dezembro de 2024, o que já está a obrigar o sector a adaptar-se, numa corrida contra o tempo que está a provocar uma verdadeira revolução industrial. São cada vez mais as marcas que procuram soluções sustentáveis e cada vez mais as fábricas na vanguarda desta revolução. Fábricas que produzem fio a partir da reciclagem, fábricas que estão a criar pigmentos produzidos a partir de bactérias ou a fazer tingimento a partir de restos de plantas; empresas que utilizam a inteligência artificial para optimizar a produção e outras que inventam tecidos que podem substituir a pele animal a partir de cascas de ananás.
Só em Portugal, outrora fábrica da Europa no que toca ao têxtil, já existem diferentes grupos empresariais a investir em soluções inovadoras como estas, colocando o país na vanguarda desta revolução. «Portugal é hoje pioneiro nos tingimentos biológicos utilizando a biologia sintética. Temos duas empresas a fazerem já os primeiros ensaios em prova de maturidade e de crescimento, que já podem estar no mercado inclusive este ano», referiu Ricardo Costa CEO da NGC e da KOD Bio, numa entrevista ao Jornal Têxtil. Esta empresa conseguiu ainda produzir um têxtil 100% bio, através de microrganismos encontrados nas águas portuguesas, e desenvolveu uma biomolécula que faz todo o branqueio da celulose sem utilizar qualquer produto químico.
A RDD, do grupo Valerius, produz fio para têxtil a partir da reciclagem de stocks mortos e restos de corte, bem como outros a partir de plantas como a urtiga. Utiliza também uma tecnologia para a criação de pigmento através de bactérias devoradoras de resíduos tão acessíveis como cascas de laranja e outros desperdícios da indústria alimentar. Tem entre os seus clientes marcas como a Dior ou a Calvin Klein.
A Smartex inventou um software de inteligência artificial que consegue detectar defeitos no têxtil quando ainda está no tear, permitindo a redução de 1,5 toneladas de desperdício por cada máquina. Esta empresa está em 17 países, incluindo no mercado asiático, o que já permitiu poupar 740 toneladas de tecido e 80 milhões de litros de água aos seus clientes.
Ainda na Europa, na Itália, a Candiani apresentou a tecnologia Coreva, que usa fios produzidos a partir de materiais derivados da árvore da borracha ou seringueira para fazer ganga. A inovação permite eliminar a utilização de fibras sintéticas, resultando num denim com melhores características de biodegradabilidade. A ganga com elasticidade convencional pode demorar 400 anos a degradar-se, enquanto a tecnologia Coreva permite que um par de jeans se decomponha em apenas quatro meses, ao mesmo tempo que melhora a fertilidade do solo em 22%.
E há muitas outras soluções a surgir um pouco por todo o mundo. Seda feita de uma proteína do leite ou de teias de aranha; pele feita de cogumelos; tecidos antifogo feitos a partir de algas; tudo soluções que reduzem drasticamente o consumo de água e de petroquímicos, bem como a devastação dos solos, que hoje são usados na produção intensiva de algodão ou para a criação de gado que depois serve esta indústria. Muitas das fábricas que começam a surgir podem vir a ser, não apenas neutras no que toca a emissões de carbono, mas negativas, no sentido em que, com as matérias-primas que usam e a reabilitação dos solos, retêm o carbono da atmosfera.
A tecnologia existe, as marcas estão alerta, os consumidores são cada vez mais exigentes. Nada poderá parar a revolução em marcha. No entanto, tal como refere Carole Collet, professora de Design para Futuros Sustentáveis na famosa escola Central Saint Martins, «a bioeconomia só poderá ter sucesso se alterarmos os nossos padrões de consumo e repensarmos a nossa noção de progresso com vista a criar uma nova bio-modernidade.» Façamos, pois, a nossa parte.

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