Pedro

Conhecemo-nos na noite anterior, por entre o grupo que se juntava no areal logo depois do jantar. Nunca te tinha visto por lá, porém, num organismo que cresce e encolhe à medida que o calendário avança, há sempre chegadas e partidas inesperadas. Trocámos muitos olhares e poucas palavras, até a noite se tornar demasiado fria e o grupo se dissipar por entre as ruelas da pequena vila.

No dia seguinte, lá estavas, ao pé dos outros na praia. Passámos o dia como na véspera, a trocar olhares tímidos, a fingir que éramos apenas mais um elemento daquele bando barulhento que partilhava toalhas, gargalhadas e latas de Coca-Cola. Não sei se foram os teus olhos da precisa cor do mar, se a tua pele da precisa cor da areia molhada, mas quando que me convidaste para um mergulho de fim do dia, segui-te sem hesitar. Ignorei os assobios dos rapazes e os olhares incrédulos das minhas amigas mais próximas. Finalmente, iríamos estar a sós na imensidão do oceano, a água gelada a refrear os impulsos adolescentes.

Nadámos para longe, quase até aos pequenos barcos por ali ancorados. Exibias os teus dotes de nadador na esperança de me impressionar, mas eu nadava tão bem ou melhor do que tu, e ultrapassei-te sem espalhafato. Deixámos os nossos corpos boiar para recuperar o fôlego, olhando o céu cortado pelo voo das gaivotas. Deste-me a mão. Apertei-a com força. Fizeste-me cócegas, obrigando-me a mergulhar para fugir delas. Voltámos à superfície entre risos, os corpos cada vez mais perto, as pernas enleadas como limos, até nos perdermos num beijo. Não foi o meu primeiro, mas foi sem dúvida o mais bonito. Sabia a mar, e a gelado de morango, e a sonhos de um verão interminável.

Desafiaste-me a continuar. Querias ir até um dos barcos, que dizias ser do teu tio. Fingi acreditar e segui-te. Subimos a bordo pela minúscula escada de dois degraus, antecipando os muitos beijos que daríamos. Não estávamos assim tão longe da costa, mas para mim era como se estivéssemos a várias milhas, numa ilha só nossa no meio do azul. E os teus olhos mar, e a tua pele areia onde ansiava estender-me.

Desatei o nó da parte de cima do biquini e surpreendi-te com a nudez do meu peito. Era tudo o que te queria dar. Era mais do que estavas à espera. Beijaste-me incrédulo, deslizando a língua pelo meu pescoço. Por uma fracção de segundo, achei que tinha ido longe demais. E se pensasses que aquilo era um convite para avançar sobre mim? Que poderia eu fazer ali tão longe, onde ninguém nos conseguia ver? A cabeça cheia de histórias em que os rapazes são sempre vilões. Não disse nada, mas olhei-te nos olhos, escondendo a minha apreensão. Estes apenas me devolveram ternura. Naquele lugar não cabia maldade, apesar dos corpos quase nus. Os nossos beijos eram lentos e delicados, como se fôssemos uma iguaria que deve ser saboreada sem pressa. Tudo era novo para os dois. Seguíamos ao sabor das ondas que batiam no casco, à descoberta um do outro.

Quando pedi para parares, paraste. Ajudaste-me a apertar o biquini e saltámos para a água, fazendo uma corrida até à praia. O grupo já lá não estava, restando os nossos chinelos e toalhas ressequidas de sol e sal. Embrulhaste-me com carinho até o meu corpo parar de tremer. Acompanhaste-me quase até à porta de casa, onde demos o nosso último beijo, depois de me assegurar que ninguém nos via. Não queria ter de dar explicações aos meus pais.

No dia seguinte, regressei à cidade. Não há Verão que não me lembre de ti.

(texto originalmente publicado no Clube das Mulheres Escritoras)