Já estamos habituados

Há uns meses, o então Primeiro Ministro António Costa, que hoje finalmente se demite, respondeu do alto de toda a sua arrogância com um “Habituem-se!”. E nós, portugueses, de facto já estamos habituados às trapalhadas que envolvem os sucessivos governos socialistas, que nos últimos vinte anos nos governaram durante dezasseis.

Já estamos habituados a estar sempre na cauda da Europa, excepto durante aqueles breves anos entre a adesão de um novo país à UE e o dia em que nos ultrapassa em quase todos os indicadores. Já estamos habituados a ministros, secretários de estado, adjuntos e conselheiros a serem detidos ou estarem envolvidos em processos judiciais. Já estamos habituados às greves e à inadequação dos serviços públicos, que já só servem quem precisa, porque quem pode pagar opta sempre por serviços privados. Já estamos habituados aos “jobs for the boys” e até já estamos habituados às desculpas esfarrapadas para a incompetência a todos os níveis da governação. A geringonça, o Covid, a guerra da Ucrânia, até as medidas que o governo do PSD teve de tomar na altura da Troika, tudo tem servido de desculpa para não andarmos para a frente, num governo que, em oito anos não apresentou qualquer estratégia a longo prazo, nem fez uma única reforma estrutural.

Os socialistas até podem argumentar que oito anos não é nada, que não se muda um país em tão pouco tempo. Em resposta, posso lembrar o Engenheiro Duarte Pacheco, que em apenas dez anos, entre os cargos de Ministro das Obras Públicas e Presidente da Câmara Municipal de Lisboa criou vários Bairros Sociais (Alvalade, Encarnação, Madre de Deus, Ajuda), a autoestrada Lisboa-Estádio Nacional, com o Viaduto Duarte Pacheco, a Marginal Lisboa-Cascais, o Aeroporto de Lisboa, a Estação Marítima de Alcântara, a Fonte Monumental da Alameda, o Estádio Nacional, o Parque de Monsanto e inúmeros outros empreendimentos, portos, instalações industriais, infra-estruturas agrícolas, centrais hidroelétricas. Ah, mas nessa altura Salazar tinha os cofres cheios e nenhuma oposição. Este Governo tinha uma maioria absoluta e recebeu a maior injecção de dinheiro de que há memória.

Não posso esconder que estou feliz por ver este governo cair, mas preocupada com o que aí vem, que pode ser mais do mesmo. Num país em que as pessoas votam em partidos como se do clube de futebol se tratasse, sem sequer questionarem as ideias e soluções dos outros, acreditando na propaganda que cataloga qualquer partido à direita do PS como betinhos, conservadores ou extrema-direita, sei que esta demissão pode não significar a mudança necessária para nos tirar do pântano onde vivemos há tantos anos. Porque a verdade é que parece que já estamos habituados à mediocridade.

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