Luta climática ou circo?

As recentes acções de alguns activistas climáticos têm sido fonte de muitas críticas e de alguma preocupação. Críticas por parte de muitos lobistas das indústrias que estão a devastar o nosso planeta (transportes, têxtil e agropecuária), mas também por parte dos cidadãos comuns, que andam a lutar para chegar ao fim do mês com comida no prato, prejudicados com greves de todos os serviços públicos, da justiça, à saúde, da educação aos transportes, e que não percebem como é que partir a montra da Gucci ou atirar tinta a um quadro do Picasso vai ajudá-los a sobreviver. Preocupação por parte daqueles que, como eu, andam há décadas a alertar para a importância de uma mudança drástica de paradigma e que vêm nesses actos um retrocesso na nossa luta.

Sinto um enorme orgulho nos jovens que não se calam perante o suicídio colectivo a que estamos a assistir, eu que tenho falado sobre estes assuntos desde o século passado, ainda eles nem eram nascidos. Já me juntei a diversas marchas, de cartaz em punho, já fiz a apologia das fraldas descartáveis, da comida orgânica e do fim do consumo de carne. Mas não consigo perceber porque é estes miúdos gastam o seu tempo e o seu dinheiro, pondo até em risco a sua integridade física, a concertar acções que só afastam as pessoas da causa.

Sim, é verdade que é urgente substituir os carros a combustíveis fósseis por carros eléctricos e fomentar o uso dos transportes. Mas que culpa têm as pessoas que passam na Segunda Circular, nomeadamente camionistas e outros condutores que estão apenas a fazer o seu trabalho extremamente mal pago, se não há infraestruturas de transporte e de logística que lhes permita deixar as carrinhas em casa? Que culpa têm as pessoas que viajam de avião de Lisboa ao Porto, se sucessivos governos se preocupam em aumentar as rotas e os aeroportos em vez de investir na ferrovia e no TGV? O que pretendem que façam os espectadores e os actores com vidas precárias de uma peça de teatro interrompida? Se o objetivo é aparecerem nas notícias, estão a fazer tudo bem; mas se a ambição é colocar o povo do seu lado e provocar uma verdadeira mudança, então só estão a dar tiros nos pés.

Parece-me que estes activistas, tal como quem nos governa, não sabem muito bem o que estão a fazer, limitando-se a copiar acções que foram feitas lá fora e a ser manipulados por uma ideologia de esquerda, que se apropria (uma vez mais) de uma causa que tem de ser de todos, qualquer que seja o espectro político. A esquerda que trata os empresários como criminosos e prefere ter eleitores subsídio-dependentes. A esquerda que demoniza tudo o que tem origem nos privados, quando são precisamente os privados que estão a desenvolver as tecnologias e a criar os empregos que nos vão salvar. Voltando à montra da Gucci, que, por acaso, é uma das casas que mais tem investido na sustentabilidade e que fabrica as suas peças na Europa, porquê cartazes contra os ultra-ricos? Quantos ultra-ricos temos em Portugal, agora a sério?

Nos últimos anos têm sido feitos alguns estudos para monitorizar o impacto que as notícias sobre as catástrofes climáticas têm nas pessoas e as conclusões são claras: a maioria das pessoas não quer ouvir falar do assunto por 4 razões fundamentais.
1) Distância – para o português comum, os tornados nas caraíbas ou as chuvadas na Ásia são coisas que estão a anos-luz da sua realidade quotidiana, tal como os jatos privados e os iates de luxo que nem se avistam em águas portuguesas.

2) Condenação – as notícias alarmistas fazem-nos sentir condenados, perdidos e geram ecoansiedade, logo, as pessoas desligam-se do assunto.

3) Dissociação – os problemas expostos são tão grandes e tão graves que o cidadão comum sente que não há nada que possa fazer para resolver o que quer que seja.

4) Negação – é preferível convencermo-nos de que isto não está a acontecer, que não nos vai afectar a curto prazo, que é tudo um exagero.

Então, como passar a mensagem urgente de que o planeta está efectivamente a arder e em breve não haverá recursos para todos?

Na minha opinião, de duas formas. Primeiro, mostrando as coisas boas que estão a ser feitas, as empresas que devemos apoiar, as tecnologias que estão a surgir. Segundo, adaptando as acções e as mensagens à realidade e ao contexto dos recetores. O que no caso português é aquela realidade em que a maioria das pessoas só consegue comprar roupa em cadeias de fast-fashion, que não pode dar-se ao luxo de comer orgânico e muito menos de viajar. A realidade em que não há transportes públicos suficientes, em que a qualidade das casas é deplorável obrigando a consumos energéticos exorbitantes e em que os pequenos agricultores, que contribuem para a protecção dos ecossistemas e dos solos, são desprezados desde que a PAC entrou em vigor há mais de 30 anos. O nosso contexto é muito diferente do dos nossos amigos suecos, ingleses ou americanos e a maioria da população portuguesa, neste momento, só tem espaço mental para se preocupar com coisas como conseguir pagar a casa na próxima subida das taxas de juro ou da renda.

Aplaudo de pé o trabalho importantíssimo que muitos dos activistas climáticos têm feito ao nível da sensibilização e educação ambiental, mas também ao nível da luta nas ruas e de acções como fechar o Porto de Sines, invadir o conselho de Ministros ou fazer das petrolíferas os seus alvos. Porém, há outras coisas que simplesmente não fazem sentido e só desviam a conversa do que realmente interessa.

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