Há muito tempo que não falo de futebol por aqui. Talvez porque, apesar do meu Benfica, que até foi campeão este ano, o futebol esteja a deixar de ser um circo para se tornar um esgoto nauseabundo. Acho que todos os amantes de futebol sabem que, apesar do nosso amor aos clubes, das picardias e rivalidades, dos golos celebrados em êxtase e dos risos e lágrimas que deixamos nos estádios, este desporto há muito deixou de ser uma forma de entretenimento para passar a ser um negócio que move milhões.
De vez em quando lá aparece um Rui Costa ou um Bernardo Silva, que não consegue esconder o seu amor à camisola, mas regra geral, os próprios jogadores, que são tratados como mercadoria, jogam sempre pelo clube que lhes paga mais, trocando facilmente uma equipa de prestígio por outra que ninguém conhece mas que lhe alimenta o Porsche e a família toda. Nada contra. É uma profissão de desgaste rápido, ninguém está livre de uma lesão que termine a carreira aos vinte e poucos anos e todos os jogadores se preocupam em amealhar o mais possível enquanto estão no activo, de forma a garantirem uma vida estável quando terminarem a carreira. E não é só no futebol. Em todos os desportos de alta competição, sobretudo nos que geram milhões em receitas, onde também se inclui, por exemplo, o ténis, a NBA ou a NFL, os atletas são pagos a peso de ouro pelo espectáculo incrível que nos proporcionam, atingindo rapidamente o estatuto de milionários, entre ordenados, prémios e patrocínios.
Só que nesses desportos, nomeadamente nos EUA, as ligas impõem um tecto salarial que os clubes não podem ultrapassar, algo que começou a ser implementado nos anos 90 e que se expandiu para várias modalidades. Assim, não há disparidades ultrajantes entre clubes da mesma liga e tudo se torna muito mais competitivo. No futebol, porém, isso não acontece. Basta olhar para a Liga Portuguesa, onde os orçamentos dos três grandes são abismalmente diferentes dos de todos os outros, alimentando a alternância entediante entre Benfica e Porto no pódio. Depois podemos comparar os orçamentos do Benfica e do Porto com os dos clubes da liga inglesa ou de outros países, propriedade de magnatas do petróleo e de outras actividades duvidosas e perceber por que razão os melhores jogares não ficam muito tempo por aqui e por que é cada vez mais improvável um clube português ganhar uma Champions. As transferências de valores pornográficos sucedem-se todo o santo defeso, havendo fenómenos ultrajantes como o Real Madrid dos Galáticos ou o Paris Saint German dos últimos anos.
Só que, quando nós, adeptos do futebol, achávamos que não se podia ir mais longe nos recordes de transferências, em que 40 milhões começa a ser apenas o início de conversa para qualquer jogador promissor, eis que entra em cena esse país insultuoso que é a Arábia Saudita. Embalado pela conivência ocidental que vendeu o Mundial de Futebol ao Qatar, este país, que surgiu literalmente do nada há menos de 100 anos, quando se descobriu o petróleo, agora é mega fã do desporto em geral (também já conseguiu o Dakar e uma etapa da F1) e de futebol em particular, pagando o que for preciso para ter as grandes estrelas a brilharem nos seus relvados alimentados à custa de água que não existe, em estádios climatizados à custa de combustíveis fósseis. Uma liga que não interessa a ninguém, num país que está no top 5 de condenações à pena de morte, onde as mulheres não têm voz nem controlo das suas vidas, a comunidade LGBT não é sequer uma possibilidade e onde é proibido professar qualquer fé que não seja a islâmica. E quando digo o que for preciso é mesmo o que for preciso para convencer jogadores em fim de carreira, mas com fama indiscutível, por sinal já trilionários, a sujeitarem-se a viver presos nas suas gaiolas de luxo, num país feito de nada, a jogar numa liga absolutamente irrelevante.
Mete-me nojo que estes jogadores, por quem nutria enorme admiração e gratidão por todos os momentos inesquecíveis que me proporcionaram, se vendam a um país destes e permitam que (definitivamente) seja o dinheiro a única coisa que importa. O precedente foi aberto pelo meu querido Ronaldo (que deixei de admirar enquanto pessoa, se bem que jamais deixarei de admirar enquanto desportista) e dificilmente será travado, até porque a FIFA é uma autêntica máfia, conivente com quem lhe der mais dinheiro, venha ele de onde vier, à custa seja de quem for. Jamais iria impor tal disparate como tectos salariais ou limites para transferências. Só esta semana foram apontados à liga saudita outros futebolistas-ídolo como Benzema, Modric, Lloris, Sergio Ramos, Jordi Alba, Busquets, Kanté, Di Maria e Firmino.
Espero que alguns deles sejam homens e tenham literalmente tomates para mandar os sauditas para o buraco de onde vieram. Bom, talvez o melhor seja não esperar nada, nem deles nem de ninguém, até porque, apesar de ser do Benfica até morrer, a minha fé na Humanidade (e consequentemente no Futebol) há muito se desfez como um castelo de areia. Do deserto.

ACTUALIZAÇÃO: o enorme Messi mandou os sauditas para o buraco de onde vieram, restaurando, assim, um pouco da minha fé na Humanidade. Obrigada Messi.
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