Workshop de Técnicas de Escrita

Escrever é uma das principais formas de comunicação, seja na nossa vida pessoal, quando enviamos uma mensagem ou um postal de parabéns, seja na nossa vida profissional, quando temos de escrever um email importante ou preparar uma apresentação. Para uns é fonte inesgotável de prazer, para outros um pesadelo que remete para os dias em que a professora corrigia a vermelho a composição do dia. Este workshop é perfeito para ambos os casos e para todos os que estão no meio.

Durante cerca de 2h30m vou explorar os benefícios da escrita criativa e ensinar pequenos truques e exercícios para a estimular. O objectivo é que os participantes adquiram técnicas que lhes permitam produzir com mais segurança textos originais, que instiguem o público e prendam a atenção. E isto tanto pode ser útil para escrever um conto, um blogue, um livro, como para escrever uma newsletter ou um post para as redes sociais de uma empresa.

Além disso, estou a preparar alguns exercícios práticos para fazermos juntos e outros para levarem para casa e usarem sempre que necessário (ou quando se deparam com o tenebroso monstro da página em branco).

O workshop vai decorrer no dia 26 de Novembro, às 15h no Barreiro (Rua Dr. Eusébio Leão, nº23 A/B), custa apenas €30.

A partir das 17h40h o espaço estará aberto ao público em geral para venda de livros e sessão de autógrafos. Ou seja, mesmo que não vos interesse participar no curso, podem sempre aparecer para levar um livro ou autografar algum que já tenham.

Inscrições por mensagem directa no Instagram para a Sofia Capela ou pelo (+351) 936 249 933

Inscrevam-se, apareçam e passem a palavra.

Muito obrigada!

A Mercearia Portuguesa

A memória olfativa é mais duradoura do que qualquer outra. Tem o poder de nos transportar para momentos que irrompem de tal forma vívidos, que até parece que entrámos numa máquina do tempo. Não é por isso de estranhar que, volta e meia, lugares que visitámos há várias décadas, surjam inteirinhos à nossa frente com uma simples inspiração. Aconteceu-me recentemente, enquanto passeava à noite pelas ruas quase desertas de Évora.

Ao passar por uma porta fechada, que nem reparei ser de um estabelecimento, senti sair pela ventoinha do respirador o bafo quente e doce de uma pequena mercearia, como as que costumava frequentar na minha infância. Era um cheiro a fruta, pêssegos, uvas, alperces talvez, com um toque floral de detergente da roupa. Um cheiro que não se encontra muitas vezes nas grandes cidades, onde estes estabelecimentos estão a desaparecer tão depressa como a floresta Amazónica às mãos do Bolsonaro. Claro que continuam a existir mercearias de bairro nas cidades. Não têm, porém, aquele aroma, quase apenas encontrado em pequenas vilas ou aldeias.

A verdadeira mercearia portuguesa tem pouca luz e jamais ar-condicionado. Tem pasta de dentes quase ao lado da graxa para os sapatos. Tem pão fresco mas só até ao meio-dia. Tem produtos de produtores locais que não encontramos em mais nenhum lado. Tem um pedaço de fruta espezinhado no chão. Tem caixotes a fazer de prateleiras. Tem a Dona Miquelina ou o Senhor Abel, que vendem fiado e apontam o nosso nome num caderninho de bolso. Tem tudo e, se não tiver, venha cá para a semana que eu arranjo.

Gosto de entrar num lugar assim. Faz-me sentir em casa, ao contrário das novas mercearias geridas por indianos ou paquistaneses, que muitas vezes nem falam português; ou das mercearias de decoração contemporânea, que investem em produtos tradicionais misturados com artigos gourmet estrangeiros, tudo inflacionado para condizer com o bolso dos estrangeiros que se mudam para cá aos magotes, porque é tudo tão barato e pitoresco para os seus ordenados de quatro dígitos e IRS de 10%; ou ainda das mercearias que não passam de supermercados de grandes grupos em miniatura, com luzes intensas e cartazes publicitários, prateleiras organizadas e um tapete rolante para as compras.

Naquela noite, em Évora não o pude fazer, dado a adiantado da hora, mas, assim que o aroma de uma verdadeira mercearia portuguesa me invade o olfato, costumo entrar, observar e comprar qualquer coisa, nem que seja um simples pão. Só pelo gozo de percorrer o espaço e sentir-me abraçada por uma mistura de saudade e felicidade de ainda existirem tais lugares.

A carne mata

Por vezes perguntam-me se deixei de comer carne por ter pena dos animais. Outras se estou a fazer dieta. Outras ainda, não perguntam nada, mas olham-me com condescendência, como quem diz “mais uma armada em esquisita”. Porém, a resposta é simples: deixei de comer carne para proteger o nosso planeta. E não pensem que, de vez em quando, não me apetece um entrecosto ou um cabrito assado ou até uma picanha tostadinha. Mas há coisas mais importantes do que os meus desejos de primeiro mundo.

«A pecuária intensiva é a mais destrutiva de todas as industrias: é a principal causa de destruição dos habitats, da perda de vida selvagem, da degradação do solo, do uso indiscriminado de água e uma das principais causas do colapso climático.» lia-se no Expresso na semana passada. Eu já tinha chegado a essa conclusão há vários anos, como aqui pude explicar numa crónica de 2015 e, desde então, venho tentando convencer as pessoas à minha volta a deixarem o vício carnívoro. Sem sucesso. Advogar contra a carne é como estar num daqueles sonhos em que se abre a boca mas não sai um único som, e nós a gritarmos com desespero sem que ninguém nos ouça até o sonho finalmente terminar. Infelizmente, o que vivemos hoje aproxima-se mais de um pesadelo e assobiar para o lado ou tentarmos arranjar argumentos para nos auto-convencermos de que não precisamos de mudar os nossos hábitos não vai fazer com que desapareça.


Deixar de comer carne, nomeadamente as chamadas carnes vermelhas (bovinos, suínos, caprinos e ovinos), pode parecer tão inútil como deixar de andar de carro, viajar menos de avião, desligar as luzes ou fazer máquinas apenas quando estão cheias. Uma insignificante gota num oceano de devastação global. Mas não é. Nesta luta contra o tempo, todos os gestos contam. Sendo que os gestos dos privilegiados dos países desenvolvidos contam mais.

Somos responsáveis por um estilo de vida suicida, que provoca a fome e pobreza extrema a uma enorme parte da população mundial. Achamo-nos no direito de consumir coisas que para os outros são luxos com os quais nem ousam sonhar. Temos água potável nos autoclismos. Comida pronta que se aquece num micro-ondas. Aparelhos electrónicos que substituímos assim que sai uma nova versão. E temos milhões de hectares de terras férteis a serem usadas para produzir cereais, não para alimentar os seres humanos que morrem à fome, mas sim as vaquinhas e os porquinhos que satisfazem a nossa Gula. Mais do que uma questão ecológica, esta é uma questão ética. Da próxima vez que se sentirem tentados a pedir um bife, lembrem-se que a pecuária é uma das principais causas do colapso climático, mas também do colapso na nossa humanidade.

Questões acessórias

A primeira vez que vi umas unhas de gel foi por volta do ano 2008. Estava à porta da agência onde tinha recentemente começado a trabalhar quando reparei nas unhas de uma colega, grossas e brilhantes, humanamente impossíveis. Seria cola UHU? Seriam seis camadas de verniz? Eu sempre pintei as unhas, mas aquilo não parecia verniz. Vendo bem, pareciam cascos. Comecei a reparar nas unhas de quem me rodeava e a perceber que eu, que me julgava sempre a par das tendências, tinha passado ao lado daquela.

Por todo o lado surgiram salões onde se faziam as tais unhas de gel, que duravam semanas atrás de semanas como se tivessem sido acabadas de pintar. Percebi facilmente o porquê do sucesso: ter as unhas sempre impecáveis mesmo depois de jardinar, lavar louça, fazer desporto ou bricolage é, de facto, uma vantagem tremenda, mesmo que continue sem o fazer nas minhas.  Desde então, com a evolução das técnicas e dos materiais disponíveis, criou-se uma verdadeira cultura de “nail-art”, capaz de espantar os mais cépticos. Não imaginam as coisas incríveis que se conseguem fazer numa superfície tão pequena como uma unha.

Porém, o reverso da medalha é que não foram só as possibilidades artísticas que aumentaram nestes últimos anos. Foi também o comprimento das unhacas, agora adornadas com objectos tridimensionais, que fazem com que as mãos de quem as usa pareçam ter fantoches pendurados na ponta de cada dedo. O que me leva à razão pela qual escrevo esta crónica e que nada tem que ver com gosto, mas sim com questões de praticidade.

Quando vejo mulheres cujas unhas têm mais de dois centímetros (sendo que já vi muitas com unhas de cinco), várias questões de ordem prática se me impõem, nomeadamente: como colocam as lentes de contacto? Ou abotoam aquele botão difícil das calças de ganga? Ou removem o papel de um autocolante? Como descascam os legumes? Ou colocam um colar com fecho? Ou passeiam casualmente com as mãos nos bolsos? Como usam um teclado?

As unhas longas e adornadas são uma tradição com séculos em várias culturas. Símbolo de estatuto e riqueza, pois só as usavam as mulheres que não precisavam de fazer rigorosamente nada. Porém, e uma vez que não me dou com membros da realeza, as mulheres com quem me cruzo e que usam unhas assim são pessoas comuns, que trabalham e andam de transportes públicos. Não imagino que tenham em casa um séquito de criados para as despirem, para lhes estenderem a roupa, para lhes atar os atacadores dos ténis antes de irem para o ginásio, onde também não sei como conseguem segurar em halteres. E as meias de vidro? Ajudem-me a perceber, por favor!

Mas não é tudo. Agora, além das unhas, vive-se o apogeu das pestanas. Sim, meus amigos, já não basta um rímel mais-volume-extra-plus colocado em várias camadas para um efeito dramático do olhar. Já não bastam pestanas falsas, que se podem colocar para um determinado evento ou ocasião, nem as extensões para quem gosta de parecer sempre maquilhada. Agora existe uma coisa chamada «volume russo» que consiste em colar até seis fios sintéticos em formato leque sobre uma só pestana, provocando um efeito… bom, eu diria Leopoldina. A coisa está a tomar proporções tais que, no outro dia, enquanto caminhava lado a lado com uma jovem desconhecida, notei que as pestanas dela iam um metro à nossa frente. Não quis estar a olhar descaradamente, mas pelo que vi, parecia que a rapariga tinha sido atacada por duas mariposas tropicais do tamanho de canários. Fiquei na dúvida se conseguiria ver bem as escadas que se aproximavam.

Aqui, também as questões de praticabilidade se colocam: como se dorme de barriga para baixo? Como se beija alguém sem lhe vazar uma vista? Como se usam óculos sem ser na ponta do nariz? O que se faz se entrar uma pestana daquelas no olho?

Eu sei que estas preocupações soam fúteis, sobretudo à luz de um possível desastre nuclear e de uma recessão como não se vê há cinquenta anos, mas o que hei-de fazer? Não consigo controlar a curiosidade. Já em miúda me questionava como é que os Punks dormem com as suas cristas ou como se assoa quem tem piercings no nariz.  Mais do que decidir se acha feio ou bonito, quando se depara com estas coisas, o meu cérebro fica a ruminar nestas questões acessórias. Aposto que não sou a única.

A cidade sem carros

Gostava de viver numa cidade sem carros. Como na minha infância, quando ia a pé para todo o lado. Uma cidade onde nas ruas se ouvissem os pássaros e os murmúrios e as campainhas das bicicletas. Onde as pessoas não tivessem de levar sempre o seu veículo até à porta, estacionando em cima dos passeios, indiferentes aos peões. Existem muitas cidades assim por toda a Europa. Curiosamente, estive em duas delas este ano. Amesterdão e Sevilha.

Na primeira, famosa pela tradição da bicicleta, sentarmo-nos numa esplanada no centro da cidade é como estar numa pequena vila. É quase estranho não se ouvir um motor. A cidade é servida por um eléctrico, o comboio e, claro, muitas ciclovias. Também existem motas e carros, obviamente, mas a maioria das pessoas desloca-se assim. O metro de superfície, ou “Tram”, como lhe chamam, é frequente, amplo, rápido, e incomparavelmente mais ecológico do que os autocarros que andam desengonçados e barulhentos pelas ruas das nossas cidades. Gostava de ver Lisboa com todas faixas de BUS transformadas em vias para o elétrico, que assim se poderia estender a toda a cidade.

Na segunda, Sevilha, também há um eléctrico a atravessar o centro histórico, que está quase todo interdito a carros. Há algumas ruas paralelas onde os carros podem passar, mas grande parte do coração da cidade está livre de trânsito. Passear na zona das lojas é como estar num centro comercial ao ar livre, cheio de gente e de vida. As ruas dos monumentos fervilham com movimento. Não há lojas fechadas, as esplanadas estão compostas e só se ouvem as vozes e o flamenco.

Além da preservação do ambiente, há muitas vantagens em termos cidades sem carros:

– Melhoria da qualidade do ar: a poluição é responsável por cerca de 4,2 milhões de mortes por ano devido a doenças respiratórias crónicas, cancro do pulmão e AVC. 

– Drástica diminuição da poluição sonora, que provoca ansiedade, déficit de atenção, perda de memória, distúrbios de sono e dores de cabeça.

– Mais qualidade de vida para as pessoas com mobilidade reduzida, que tantas vezes dependem dos outros transeuntes para atravessarem uma estrada em segurança.

– Mais crianças a brincarem na rua ou a irem a pé para a escola.

– Valorização do comércio local, com o impacto que isso tem na economia e emprego.

– Uma população mais activa e saudável, já que andar a pé melhora o funcionamento dos aparelhos circulatório e respiratório, ajuda na prevenção de doenças cardiovasculares, reduz os níveis de colesterol, mantém a flexibilidade das articulações e aumenta a resistência dos ossos, ajudando assim a prevenir doenças como a osteoporose.

O problema é que, em Portugal, se começa sempre pelo fim. Muitas vezes fecham-se as ruas ao trânsito, mas não se colocam mais transportes públicos a circular, nem se criam parques de estacionamento nas entradas das cidades para quem vem de mais longe, nem se resolvem os problemas nas empresas de transportes que fazem greves uma vez por mês, nem se dão alternativas às pessoas que não vivem ao lado de uma estação de metro. Por exemplo, no que toca a Lisboa, as bicicletas GIRA, uma óptima alternativa ou complementaridade aos transportes públicos, apenas existem nas zonas turísticas da cidade. Do Terminal de Cruzeiros à Marina do Parque das Nações não há uma única estação. Estão a criar um Hub criativo no Beato, estão a aparecer cada vez mais empresas em Marvila, mas bicicletas, nem vê-las. As zonas onde ainda vivem os lisboetas, e que ainda não estão minadas de alojamento local, não têm bicicletas disponíveis. Encarnação, Beato, Marvila, Olaias, Chelas, Penha de França, Alto de São João, Xabregas, Madragoa, Campo de Ourique, Infante Santo, Estrela, Ajuda, Restelo e Alta de Lisboa. Nada. Só autocarros.

Por falar em autocarros, no outro dia decidi experimentar ir da Encarnação até ao Campo das Cebolas. Demorei cinquenta minutos e nem sequer era hora de ponta. De metro, nunca menos de quarenta entre mudanças de linha e partes do percurso a pé. De carro, porta a porta, no máximo, vinte minutos. Não estamos a falar de uma diferença pequena. Qual o incentivo para deixar o carro, para quem pode suportar os custos?

Há quem diga que, quando não se tem alternativa, as pessoas usam o transporte público e pronto. Fecham-se ruas ao trânsito, aumentam-se os preços dos parquímetros e cada um que se desenrasque. Para mim, essa não é a solução. Enquanto ambientalista convicta, também adorava que se fechassem ao trânsito muitas mais ruas. Toda a baixa, incluindo a Avenida da Liberdade. Adorava voltar a andar de bicicleta para todo o lado, eu que durante anos levei desse modo os meus filhos pequenos para o infantário, num atrelado, fizesse chuva ou sol. Porém, enquanto utente dos transportes públicos, sei que ainda há um longo caminho a percorrer por parte de quem os gere e decide onde investir. Um caminho que deve começar sem batota nem medidas populistas para ficar bem na fotografia. Do início.

A Psicologia da Estupidez

As reacções à minha crónica sobre pessoas que ouvem música sem fones (e sem respeito por quem as rodeia) remeteu-me para um belíssimo livro intitulado «A Psicologia da Estupidez». Ainda que a grande maioria das pessoas tivesse reagido como seria de esperar de qualquer ser civilizado, isto é, concordando que a utilização de fones é indispensável para não incomodarmos os outros quando ouvimos música, quer seja na praia, nos transportes ou em qualquer espaço público, houve uma minoria que se deu ao trabalho de escrever comentários jocosos (cujo grau de agressividade é proporcional aos erros ortográficos ou gramaticais) defendendo que cada um tem o direito de fazer o que lhe apetece e quem está mal que se mude.

Ora o livro acima referido, uma coletânea de ensaios e entrevistas escritos por psicólogos, neuropsiquiatras, sociólogos e outros cientistas que se debruçam sobre o comportamento humano, explica muito bem este tipo de reacções, por vezes vindas de pessoas que até tínhamos em certa consideração.

Logo no primeiro texto, Jean François Marmion, organizador desta colectânea de leitura obrigatória, começa por esclarecer que «somos todos estúpidos ocasionais, fazendo asneiras de passagem sem que isso tenha demasiadas consequências. A questão reside em ter consciência disso e em lamentá-lo. (…) Infelizmente temos de contar com os rugidos dos estúpidos de competição, dos estúpidos majestosos, maiúsculos. Esses estúpidos, quer nos cruzemos com eles no trabalho ou na família, não apresentam nada de anedótico. Eles consternam-nos e martirizam-nos pela sua obstinação na tolice crassa e pela arrogância injustificada». E prossegue na explicação. «O estúpido por excelência condena sem apelo, de imediato, sem circunstâncias atenuantes, fazendo apenas fé nas aparências que, além disso, ele se limita a vislumbrar por entre os seus antolhos. (…) Inabalável. Imunizado contra a hesitação. Seguro do seu direito. Toma as suas crenças por verdades gravadas no mármore, quando todo o saber se constrói na areia».

Explicando os princípios da estupidez contemporânea, que proliferam nas redes sociais sob a forma de bullshit, fake-news, “trollismo” e teorias da conspiração, Sebastian Dieguez diz que «são manifestações contemporâneas e exacerbadas da velha tolice eterna.(…) Dado o carácter desta ou daquela asserção ou acontecimento, o estúpido arranja-se imediatamente para sentir e manifestar a sua desaprovação, a sua rejeição, a sua indignação, a sua ira… simplesmente porque decidiu que é o que é necessário fazer e que é útil fazê-lo e fazer saber ao maior número possível de pessoas, na medida em que isso o ajuda a definir-se como indivíduo». Pois, isso explica muito do que se passa nas caixas de comentários de tudo e mais alguma coisa. Falar para não estar calado. Indignar-se com banalidades. Insultar desconhecidos só por exporem ou partilharem uma ideia com que não concordam.

Mas então, o que fazer para sobreviver à estupidez que nos rodeia e que, segundo aprendi com esta obra, pouco tem que ver com o nível de QI ou de escolaridade de um indivíduo? «É muito raro que se possa fazer mudar de ideias aqueles que já estão convencidos. Pelo contrário, o risco é reforçar as suas crenças» alerta Brigitte Axelrad. Ou seja, não vamos lá com argumentos, por mais irrefutáveis que sejam. No entanto, alguns autores apontam soluções. Podemos sempre fazer uso da razão crítica, consciente dos seus limites (Pascal Engel), e da cultura. «A cultura serve precisamente para preservar da estupidez, dando ideias complexas ao maior número de pessoas, numa espécie de filosofia partilhada. Quando mais cultos somos, mais temos acesso a ideias complexas, mesmo que sejamos estúpidos: protegemo-nos a nós próprios da nossa própria estupidez» (Tobie Nathan).

Outra opção, que não vem no livro, é evitar ler caixas de comentários, seja do que for. Não impede a expansão da estupidez, mas pelo menos, protege-nos de ter de lidar com ela.

«A Psicologia da Estupidez (Explicada por algumas das pessoas mais inteligentes do mundo» de Jean-François Marmion, 2021. Editor: Desassossego

Relacionado: Ensaio sobre a Estupidez

Fim-de-semana com os leitores

AGENDA:

Sábado, dia 10, estarei na Feira do Livro de Lisboa para uma sessão dupla no pavilhão da Penguin Random House.

Às 16H para uma sessão de autógrafos, onde espero conhecer e conversar com os meus leitores. Podem trazer os vossos de casa ou comprar ali mesmo o novíssimo “O Elevador”, uma obra que tem conquistado o coração de quem a lê. Todos os outros meus títulos estão na secção das promoções do pavilhão da Bertrand.

Nesse mesmo dia, e no mesmo lugar, mas às 17H vou participar numa Conversa com Autoras Portuguesas, ao lado de Dulce Garcia e de Maria Francisca Gama, onde os presentes poderão não só ouvir, mas também participar.

Se já têm planos para sábado, nada temam! Também podem encontrar-me no Domingo, dia 11.

Às 16H vou estar no encerramento da Festa do Livro da Amadora, num debate sobre “Literatura Lusófona Actual” na companhia de Inocência Mata e com moderação de Hélder Gomes. No final, também darei autógrafos e terei tempo para estar à conversa com os meus leitores.

Despeço-me na esperança de vos ver num destes eventos!

Bom fim-de-semana.

Usem Fones

No rescaldo da época balnear que agora termina, venho falar-vos de um novo flagelo com que me deparei em várias praias portuguesas e que podem dar cabo de um dia à beira-mar. Como se não nos bastassem o vento a levantar areia e chapéus-de-sol, as motas de água a zumbirem aos ouvidos como melgas ou as dolorosas picadas de peixe-aranha, nos tempos que correm estamos sujeitos também às pessoas que não sabem o que são auscultadores. Pessoas que não têm qualquer pudor em se alaparem a dois metros da nossa toalha e ligar o telemóvel em alto e bom som, com o ar triunfante de quem tem ali o melhor set alguma vez ouvido no areal, o que, invariavelmente, não podia estar mais longe da verdade.

Bom, na verdade, desde os anos oitenta do século passado, que já havia quem fosse para a praia munido do seu “tijolo”. Porém, à medida que a tecnologia e o civismo avançaram, estes foram sendo substituídos por walkmans, depois discmans e mais tarde iPods, para bem da paz de espírito de quem vai à praia para ouvir o mar, e não a música do vizinho do lado.

Atenção, eu não tenho nada contra quem gosta de ouvir música na praia. E percebo que, quando estamos com um grupo de amigos, queiramos partilhar a nossa playlist com eles.  Mas num país com oitocentos e cinquenta quilómetros de costa é difícil compreender quem não se afasta um bocadinho de forma a não incomodar os outros e que, para mais, fica ofendido se pedimos que baixe um pouco o volume. Completamente alheias ao significado de noção, estas pessoas gostam de apregoar que estão no seu direito, como se usar um telefone aos altos berros, na praia ou onde quer que seja, figurasse na constituição.

Perante isto, temos duas hipóteses: ou mudamos de lugar sem sequer olhar para trás, ou enveredamos por uma desagradável disputa de argumentos, que normalmente incluem «eu também tenho o direito de não ouvir a sua música», «então se está mal, mude-se», «eu já estava aqui primeiro», «o ar é de todos» e por aí abaixo até ao insulto. E lá se vai o agradável dia de praia. E tudo isto podia ser totalmente evitado com o uso de um simples objecto inventado em 1919, comercializado desde os anos 50 e massificados desde os anos 80: os auscultadores, mais conhecidos actualmente por fones.

O mais grave é que não é apenas na praia que a perda de qualquer pingo de respeito pelo outro se instalou. É muito comum o mesmo acontecer nos transportes públicos, nos jardins e até no meio da rua, uma vez que cada vez vejo mais energúmenos com colunas de som às costas, incluindo ciclistas, obrigando toda a gente a ouvir a música que eles decidiram ouvir. E bem sei que gostos não se discutem, mas se ainda fosse música de jeito… É que, curiosamente (ou não!), de essas colunas ambulantes nunca ouvi sair um nocturno de Chopin, um êxito dos Beatles, ou mesmo um faduncho à maneira. Mas lá está, gostos não se discutem e não é do gosto musical duvidoso de quem arma este tipo de espalhafato que esta crónica trata. É apenas da sua falta de civismo, noção e respeito pelo outro.

Assim, deixo um apelo a quem acha que tem o direito de ouvir a sua música alta, esteja onde estiver: oiçam o que quiserem, no volume que quiserem, durante o tempo que quiserem, mas façam um favor à Humanidade e usem os fones.

Domingo de Verão na cidade

O vento sopra exacerbado e quente nesta tarde lânguida de Agosto, levantando folhas, saias e cabelos, mas não o tempo, que passa devagar. Nas ruas ouve-se o silêncio dos lugares sem gente, que nem os poucos que se avistam debaixo do sol escaldante se atrevem a quebrar. Movem-se em gestos lentos, falam em baixo tom, pois os corpos querem-se frios para suportarem a temperatura.

Deixai passar a hora do calor. Deixai que o céu mergulhe em lilás.

E então, as portadas serão abertas, as crianças correrão para os parques, os banhistas regressarão das praias, os cães voltarão a ladrar. E então, a cidade retornará ao seu bulício habitual, após algumas horas a brincar de ser aldeia.

Procura-se melancia

Hoje venho falar sobre melancia. Não só porque é a minha fruta preferida, mas também por ser aquela que marca a estação estival, uma vez que é precisamente entre junho e setembro que se encontram os melhores exemplares. Encontram-se se tivermos a sorte de ter um vendedor de confiança, daqueles que rodam e apertam e batem na casca até nos entregar aquela melancia cuja casca estala de uma ponta à outra assim que lhe espetamos a faca.

O meu avô Alberto sabia escolher as melancias e os melões dessa forma e nunca se enganava. Bem pedi que me ensinasse a arte, mas ele apenas agarrava nas pesadas frutas, fazia o ritual do «roda, aperta e bate» e dizia, «é só fazer assim!», deixando-me como uma criança a olhar para um mágico, certa de que a magia não existe, mas sem conseguir descortinar o seu truque, pelo que, ainda hoje, apanho grandes barretes. E não há nada mais frustrante do que chegar a casa, fatiar uma melancia apenas para perceber que é demasiado doce ou demasiado mole ou demasiado farinhenta.

Uma boa melancia tem de ser equilibrada e, muitas vezes, isso nem sequer tem que ver com o tom de vermelho do seu interior. Já comi melancias divinais cuja polpa era mais rosa-claro do que carmim. Tem de ser firme e sumarenta e ter o sabor da minha infância, quando o meu outro avô, o avô Domingos, ma servia em bolinhas, feitas com uma colher de gelado em miniatura, e a minha mãe em fatias inteiras, para comer à dentada e ficar com as bochechas peganhentas. A melancia de sequeiro, alentejana (ou ribatejana, vá!), com o coração que se despega num só toque. As lutas que havia lá em casa pelo coração da melancia!

Quando a melancia é mesmo boa, não consigo parar de comer. Como e como até o meu estômago não conseguir dilatar mais ou alguém me tirar a dita da frente. Como cada pedacinho até ficar no prato apenas uma meia-lua verde e branca. E depois sinto-me como a Magali, da Turma da Mônica. No entanto, este verão ainda não tive nenhum momento Magali, uma vez que só tenho encontrado melancias que sabem a água com açúcar, injetadas com corantes e nitratos e sabe-se lá mais o quê, mesmo quando são nacionais. Um flagelo. Nem sei se o meu avô Alberto, com toda a sua perícia, conseguiria fugir a estas melancias manipuladas para ficarem bem na fotografia, ou neste caso, nas bancas dos supermercados (e mercados também!). Mais uma coisa fake, neste mundo de aparências. Fake Watermelon. Agora a sério: se alguém souber de um sítio aqui para os lados de Lisboa onde se vendam melancias daquelas mesmo, mesmo boas, por favor avisem. Uma melancia de verdade, com sabor a verão, para comer na praia depois de um banho de mar.