
Quando pensei em criar uma marca de roupa minha, um dos imperativos foi que fosse uma marca sustentável, isto é, que usasse matérias primas ecológicas, que apresentasse peças intemporais, que não tivesse colecções de forma a evitar o desperdício. Algumas pessoas questionaram o posicionamento, dando ideias para produtos da moda, mostrando-me tendências e perfis no Instagram, falando do lucro e de como cortar custos para metade. Não me demovi. Jamais iria colocar o lucro à frente dos meus ideais, o que, à partida, parece um tiro no pé (de caçadeira!) para quem começa um negócio. A marca arrancou e estava a prosperar, esteve presente na Moda Lisboa desta primavera, 2020 ia ser um ano de crescimento, até que apareceu o Covid. As lojas que a representam fecharam, a retoma tem sido muito lenta, mas estou tranquila e até reforcei algum stock. Enlouqueci? Não. Apenas sei que, precisamente por não andar atrás das modas, o que não vender agora venderei no próximo ano ou no outro.
Contudo, o mesmo não está a acontecer com a maioria das marcas e lojas, que devido à pandemia se estão a ver a braços com a inviabilidade de um modelo de negócio baseado no consumismo rápido. A culpa não é dos lojistas, nem de muitas das marcas. A culpa é daquilo em que se tornou a indústria da moda nos últimos trinta anos. E de todos nós, que compramos ao ritmo que nos é ditado por ela, ignorando os alertas que nos têm chegado de todos os lados.
Para quem não está por dentro de como funciona o sector, as marcas criam várias coleções para cada estação. Além daquela que se adequa à estação do ano propriamente dita (primavera/verão ou outono/inverno), há ainda outras, como as colecções pre-fall, cruise, capsule, flash, e sei lá mais o quê. Cada uma tem um tema, uma tendência, um acessório chave, uma cor na berra e, por todo o lado, das revistas, aos anúncios e às influencers, perpetua-se a ideia de que o que se usa hoje, já não se pode usar amanhã. Ontem eram pompons, mas hoje são franjas e lá vão as sandálias do verão passado para o fundo armário. Ontem eram folhos, hoje é o tie-dye e lá vão três blusas para a gaveta. Claro que há muitas pessoas que, felizmente, não se deixam levar pelos golpes de marketing, mas acreditem que muitas mais são as que são influenciadas pela moda chiclete, que se usa e deita fora, como se pôde ver com as filas à porta da Primark, H&M e demais cadeias, a partir do minuto em que acabou o estado de emergência.
O problema é que, além das grandes cadeias de roupa, pertencentes a grandes grupos internacionais com muito dinheiro para injectar quando há algum problema, há todas as outras lojas do sector que, pelo menos duas vezes por ano, se vêem obrigadas a apresentar aos seus clientes novidades atrás de novidades. Lojas pequenas, negócios familiares que tinham acabado de pendurar a colecção de primavera nos cabides quando o país e o mundo se fecharam. Para muitos a reabertura aconteceu quase ao mesmo tempo que a época de saldos, num país onde deixou de haver hordas de turistas e onde uma enorme parte da população activa ou está em lay-off ou está desempregada. Resultado: o stock para este verão vai quase inteiro para o armazém e as perspectivas para o inverno não são animadoras. As lojas vão comprar menos, as marcas vão reduzir drasticamente as novas colecções e as fábricas, que já lutavam para se manterem viáveis, vão ter ainda menos encomendas.
E, de repente, por causa de um vírus, a ideia de uma tendência de moda durar mais do que três meses começa finalmente a fazer sentido. Falar de qualidade em vez de quantidade começa a parecer óbvio. Crescer devagarinho, com respeito pelo planeta e pelas condições de trabalho, começa a ser uma hipótese. Esperemos que agora, as mesmas revistas, anúncios e influencers que têm apelado ao consumismo desenfreado, desacelerem e comecem a dar o exemplo, valorizando peças intemporais, looks repetidos e marcas sustentáveis. E então, pode ser que todos, até os que não estão nem aí para o planeta, percebam que falar de negócios sustentáveis, seja na moda, seja em que sector for, não é ser hippie/vegan/utópico/esquerdista/anti-capitalista. É falar de viabilidade a longo prazo, de emprego, de proteger os recursos que são finitos e limitados. É falar da sobrevivência de todos. Mais uma lição para o mundo pós-covid.
Uma reflexão brilhante, apesar de o problema abordado estar à vista de olhos há demasiado tempo.
Só tenho pena que seja preciso a maioria de nós aprender pela força das circunstâncias e não por sensatez…
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exacto…
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